Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Joe Biden tenta reviver tradição de gastos públicos voltados para o futuro

O investimento público, inclusive com crianças, é uma tradição americana digna

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Há séculos os Estados Unidos têm investido o dinheiro do contribuinte em seu futuro. Fundos públicos construíram infraestrutura, do Canal do Erie ao sistema de rodovias interestaduais. Também investimos em capital humano: a educação universal chegou cedo aos EUA, e o país basicamente inventou a educação secundária pública moderna. Esse gasto público depositou as bases da prosperidade e ajudou a nos tornarmos uma superpotência econômica.

Com a ascensão da direita moderna, entretanto, os EUA deram as costas a essa história. Os cortes fiscais —basicamente dar dinheiro às pessoas ricas e esperar que ele escorra para baixo-- se tornaram a solução para todos os problemas.

"Semana da infraestrutura" virou um slogan sob Donald Trump em parte porque as propostas da equipe de Trump eram mais sobre capitalismo entre comparsas do que sobre investimento, em parte porque Trump nunca mostrou disposição a contrariar os conservadores que se opunham a qualquer novo gasto importante.

Agora Joe Biden está tentando reviver a tradição de gastos públicos voltados para o futuro.

Capitólio dos Estados Unidos, em Washington - Erin Scott/Reuters

A legislação Reconstruir Melhor que foi aprovada na Câmara na semana passada não é um puro plano de investimentos; em particular, ela inclui gastos substanciais em atenção à saúde que têm mais a ver com ajudar os americanos em curto prazo do que com o futuro.

Mas cerca de dois terços dos gastos propostos são de fato investimento no sentido de que deverão ter grandes recompensas no futuro. E se você misturar o Reconstruir Melhor com a lei de infraestrutura já aprovada, verá uma agenda que tem mais ou menos três quartos de gastos em investimentos.

Veja como eu leio o programa de Biden como está hoje. Os novos gastos totais seriam de cerca de US$ 2,3 trilhões (R$ 12,9 trilhões) em uma década. Esse total incluiria US$ 500 bilhões a US$ 600 bilhões (R$ 3,36 trilhões) em gastos em cada uma destas três coisas: infraestrutura tradicional; reestruturação da economia para enfrentar a mudança climática; e crianças, com o último item consistindo principalmente de crianças em idade pré-escolar e creches, mas também envolvendo créditos fiscais que reduziriam amplamente a pobreza infantil.

Há todos os motivos para se acreditar que os três tipos de gastos teriam um alto grau de retorno social.
As cadeias de suprimentos caóticas lembraram a todos que a infraestrutura física à moda antiga continua sendo altamente importante; ainda vivemos em um mundo material, e levar as coisas para onde elas devem ir exige investimento público e privado.

No que se refere a investimentos climáticos, o dano de um planeta aquecido está ficando cada vez mais evidente —e secas, incêndios e clima extremo são apenas a primeira linha dos futuros desastres.

Os investimentos do Reconstruir Melhor não chegariam perto de eliminar o perigo, mas mitigariam a mudança climática, nos protegeriam em parte de algumas de suas consequências e facilitariam para os Estados Unidos liderarem o mundo na direção de uma solução mais abrangente. Então o dinheiro seria bem gasto.

Finalmente, há evidências avassaladoras de que ajudar as famílias com crianças é um investimento de alto retorno no futuro da nação, porque as crianças cujas famílias têm recursos adequados se tornam adultos mais saudáveis e mais produtivos.

Então o que há para não se gostar nessa agenda? Não, ela não seria inflacionária. Não acreditem em mim, escutem as agências de classificação de crédito, que estão dizendo a mesma coisa.

Os gastos aprovados e propostos seriam razoavelmente pequenos como porcentagem do Produto Interno Bruto —que o Escritório de Orçamento do Congresso projeta em US$ 228 trilhões (R$ 1,27 quatrilhão) na próxima década— e pagos majoritariamente por novos impostos, por isso teriam um impacto inflacionário muito reduzido.

Ah, e enquanto alguns dos pagamentos são questionáveis —na verdade, principalmente na lei de infraestrutura tradicional, o Reconstruir Melhor está mais ou menos pago—, o que significa que o gasto provavelmente aumentaria um pouco a dívida federal nos próximos anos, esse aumento da dívida seria pequeno em relação ao PIB e, diante das baixas taxas de juros, quase não aumentaria os custos do serviço da dívida. Em longo prazo, a recompensa do investimento público poderia ser suficiente para reduzir o deficit.

Mas os republicanos estão denunciando a agenda de Biden como socialismo, porque, é claro, ela é. Ora, pelos padrões deles, os Estados Unidos foram dirigidos por socialistas na maior parte de sua história —pessoas como DeWitt Clinton, o governador de Nova York que construiu o Canal do Erie, e Horace Mann, que liderou o movimento Escola Comum para a educação básica universal algumas décadas depois. E nem me faça falar em Dwight Eisenhower, que presidiu um enorme investimento do governo e uma alíquota de imposto máxima de 91%.

Reconhecidamente, o plano de Biden reduziria as disparidades econômicas, porque os benefícios ampliados seriam mais importantes para as famílias menos afluentes e porque suas mudanças fiscais seriam fortemente progressivas. Mas a política pública que reduz a desigualdade, assim como o investimento público, é totalmente uma tradição nacional nossa. Os EUA basicamente inventaram a taxação progressiva e, como comentou a economista Claudia Goldin, o movimento da escola secundária se "enraizou no igualitarismo".

Por isso, não acredite que os políticos que tentam retratar a agenda de investimentos de Biden como de certa forma irresponsável e radical. Ela é altamente responsável, e é uma tentativa de restaurar a ideia muito americana de que o governo deve ajudar a criar um futuro melhor.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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