Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman
Descrição de chapéu The New York Times

Entendendo a viagem mortal dos estados republicanos

A política provavelmente explica a baixa expectativa de vida nos Estados Unidos

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Na sexta-feira passada (31), os conselheiros do Medicare divulgaram seu último relatório sobre as finanças do sistema, contendo algumas boas notícias inesperadas: as despesas estão abaixo das projeções e o Fundo Fiduciário de Seguro Hospitalar não se esgotará tão cedo quanto estava previsto.

Uma razão importante para essa melhora financeira, porém, é terrível: a Covid matou um número substancial de beneficiários do Medicare. E as vítimas eram desproporcionalmente idosos que já sofriam de graves –e caros– problemas de saúde. "Como resultado, a população sobrevivente teve gastos abaixo da média."

O presidente dos EUA, Joe Biden, fala sobre proteger a Previdência Social, o Medicare e reduzir os custos com medicamentos prescritos, em Hallandale Beach, Flórida, EUA, - Kevin Lamarque -15.mar.23/REUTERS

Mas a Covid matou muitas pessoas ao redor do mundo, então não foi apenas um ato de Deus? Não exatamente. Veja bem, os Estados Unidos experimentaram um declínio maior da expectativa de vida por causa da Covid do que qualquer outro país rico. Além disso, enquanto a expectativa de vida se recuperou em muitos países em 2021, aqui ela continuou caindo.

E o desempenho sombrio da Covid nos EUA fez parte de uma história maior. Não sei quantos americanos estão cientes de que, nas últimas quatro décadas, nossa expectativa de vida tem diminuído cada vez mais em relação a outras nações avançadas –até mesmo nações cujo desempenho econômico tem sido ruim por medidas convencionais. A Itália, por exemplo, passou por uma geração de estagnação econômica, basicamente sem crescimento do PIB per capita real desde 2000, em comparação com um aumento de 29% nos EUA. No entanto, os italianos podem esperar viver cerca de cinco anos a mais que os americanos, uma lacuna que aumentou mesmo enquanto a economia italiana se debate.

O que explica o modo de morte americano? Grande parte da resposta parece ser política.

Uma pista importante é que o problema da morte prematura não se distribui uniformemente pelo país. A expectativa de vida é extremamente desigual nas regiões dos EUA, com as principais cidades costeiras não parecendo muito piores que a Europa, mas o sul e o interior do leste se saindo muito pior.

Mas não foi sempre assim? Não. As disparidades geográficas de saúde aumentaram nas últimas décadas. De acordo com o banco de dados de mortalidade dos EUA, em 1990, Ohio tinha uma expectativa de vida ligeiramente maior que a de Nova York. Desde então, a expectativa de vida em Nova York aumentou rapidamente, quase convergindo com a de outros países ricos, enquanto a de Ohio quase não aumentou e agora é de quatro anos a menos que Nova York.

Tem havido pesquisas consideráveis sobre as causas dessas crescentes disparidades. Um artigo de 2021 publicado no The Journal of Economic Perspectives examinou várias causas possíveis, como a crescente concentração de americanos altamente instruídos (que tendem a ser mais saudáveis do que aqueles com menos educação) em estados que já têm alto nível de instrução e o aumento das diferenças de renda per capita entre estados. Os autores descobriram que esses fatores só explicam uma pequena fração da crescente diferença de mortalidade.

Em vez disso, eles argumentaram, a melhor explicação está nas políticas: "A explicação mais promissora para nossas descobertas envolve esforços dos estados de alta renda para adotar políticas e comportamentos específicos de melhoria da saúde desde pelo menos o início dos anos 1990. Com o tempo, esses esforços reduziram a mortalidade em estados de alta renda mais rapidamente do que em estados de baixa renda, levando ao aumento das disparidades espaciais em saúde".

Isso parece certo. Mas os estados de alta renda adotaram políticas de melhoria da saúde porque eram ricos e podiam pagar? Ou foi porque na América do século 21 os estados de alta renda tendem a ser politicamente progressistas e a política, e não o dinheiro em si, explica a diferença?

Existe, de fato, uma forte correlação entre o quanto a expectativa de vida de um estado aumentou de 1990 a 2019 e sua inclinação política, medida pela margem de Joe Biden sobre Donald Trump na eleição de 2020 –uma correlação um pouco mais forte, pelas minhas estimativas, do que a correlação com a renda.

Existem várias razões para acreditar que a viagem mortal dos EUA é em grande parte política, e não econômica. Uma é a comparação com os países europeus, que tiveram tendências de saúde muito melhores mesmo quando, como na Itália, suas economias tiveram mau desempenho.

Outra é o fato de que alguns dos estados americanos mais pobres, com a menor expectativa de vida, ainda se recusam a expandir o Medicaid, mesmo que o governo federal cubra a maior parte do custo (e o fracasso em expandir o Medicaid está eliminando muitos hospitais). Isso sugere que eles não estão conseguindo melhorar a saúde porque não querem, não porque não podem pagar.

Finalmente, desde o ataque da Covid, os moradores de municípios de tendência republicana têm muito menos probabilidade de serem vacinados e muito maior propensão a morrer do que os residentes de municípios de tendência democrata –embora as vacinas sejam gratuitas.

Tudo isso parece relevante para nossa era atual de guerra cultural, com muitos políticos republicanos elogiando os valores rurais e dos estados vermelhos [republicanos] enquanto denigrem os das elites costeiras. O governador Ron DeSantis, da Flórida, por exemplo, afirma que, embora tenha crescido na Baía de Tampa, é culturalmente um produto do oeste da Pensilvânia e do nordeste de Ohio. Vale a pena notar, então, que a cultura que esses políticos querem que todos os EUA imitem parece ter um problema com uma das funções mais importantes da sociedade: evitar que as pessoas morram cedo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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