Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O clima se tornou um tema da guerra cultural

E isso não poderia ter acontecido em pior hora

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Compreender a negação climática costumava parecer fácil: tudo tinha a ver com ganância. Mergulhe no histórico de um pesquisador que desafiou o consenso científico, um grupo de pensadores que tentou bloquear a ação climática ou um político que declarou que a mudança climática era uma farsa, e quase sempre você encontrará grande apoio financeiro da indústria de combustíveis fósseis.

Eram tempos mais simples e inocentes, e sinto falta deles.

É verdade que a ganância ainda é um fator importante no antiambientalismo. Mas a negação climática também se tornou uma frente nas guerras culturais, com a direita rejeitando a ciência em parte porque não gosta da ciência em geral e opondo-se à ação contra as emissões por serem visceralmente contra qualquer coisa que os liberais apoiem.

Poluição no céu de Santiago
Poluição no céu de Santiago - Martin Bernetti - 03.ago.2023 / AFP

E essa dimensão cultural das discussões climáticas surgiu no pior momento possível –em que tanto o perigo extremo das emissões descontroladas quanto o caminho para reduzir essas emissões estão mais claros do que nunca.

Alguns antecedentes: os cientistas que, décadas atrás, começaram a alertar que a concentração crescente de gases de efeito estufa na atmosfera da Terra teria efeitos perigosos no clima foram amplamente justificados.

Em todo o mundo, julho foi o mês mais quente já registrado, com ondas de calor devastadoras em muitas partes do globo. Eventos climáticos extremos estão se proliferando. A Flórida está essencialmente sentada num banho quente, com as temperaturas do oceano ao largo de suas costas mais altas que a temperatura do corpo humano.

Ao mesmo tempo, o progresso tecnológico em energias renováveis permitiu pensar em grandes reduções das emissões com pouco ou nenhum custo em termos de crescimento econômico e padrão de vida.

Em 2009, quando os democratas tentaram, mas não conseguiram, tomar medidas climáticas significativas, suas propostas políticas consistiam principalmente em limites de emissões, na forma de licenças que as empresas podiam comprar e vender. Em 2022, quando o governo Biden finalmente conseguiu aprovar uma importante lei climática, ela consistia quase inteiramente em atrativos –créditos fiscais e subsídios para energia verde. No entanto, graças à revolução na tecnologia renovável, os especialistas em energia acreditam que essa abordagem de ganho sem dor terá importantes efeitos na redução das emissões de gases do efeito estufa.

Mas não se os republicanos puderem evitar. A Fundação Heritage está liderando uma iniciativa chamada Projeto 2025, que provavelmente definirá a agenda se um republicano vencer a Casa Branca no ano que vem. Como relata o Times, ela pede "o desmantelamento de quase todos os programas de energia limpa do governo federal e o aumento da produção de combustíveis fósseis".

O que está por trás desse esforço destrutivo? Bem, o Projeto 2025 parece ter sido amplamente concebido pelos suspeitos de sempre –grupos de pensadores movidos a combustíveis fósseis, como o Heartland Institute e o Competitive Enterprise Institute, que há muitos anos lutam contra a ciência climática e a ação climática.

Mas a força política desse impulso e a probabilidade de que não haja dissidência significativa dentro do Partido Republicano se os republicanos ganharem a Casa Branca tem muito a ver com a maneira como a ciência em geral e a ciência do clima em particular se tornaram uma frente na guerra cultural.

Sobre atitudes em relação à ciência: em meados dos anos 2000, republicanos e democratas tinham níveis semelhantes de confiança na comunidade científica. Desde então, porém, a confiança republicana despencou à medida que a confiança democrata aumentava; agora há uma diferença de 30 pontos entre as partes.

Vimos o efeito dessa tendência anticientífica quando as vacinas contra a Covid se tornaram disponíveis: a vacinação era gratuita para o público, portanto não havia custo econômico para os indivíduos, mas a vacinação era amplamente percebida como algo que os "peritos" e as elites liberais queriam que você fizesse. Como resultado, os republicanos se recusaram desproporcionalmente a tomar as vacinas e sofreram taxas substancialmente mais altas de excesso de mortes –acima daquelas que normalmente se esperariam– do que os democratas.

Alguém duvida seriamente de que atitudes semelhantes estão levando os republicanos de base a se oporem à ação sobre a mudança climática? Outro dia, meu colega David Brooks argumentou que muitos republicanos contestam a realidade da mudança climática e defendem os combustíveis fósseis como forma de "ofender as elites". Ele tem razão. Observe a reação histérica a possíveis regulamentações sobre fogões a gás e, embora esteja claro que interesses especiais estavam alimentando o fogo, havia também um forte elemento de guerra cultural: as elites querem que você tenha um fogão de indução, mas homens de verdade cozinham com gás.

O fato de a guerra climática agora fazer parte da guerra cultural me preocupa muito. Interesses especiais podem causar muitos danos, mas podem ser comprados ou contrabalançados por outros interesses especiais. De fato, uma parte importante da estratégia climática do presidente Biden é a ideia de que os investimentos em energia renovável, que têm aumentado desde que sua legislação foi aprovada, darão a muitas empresas e comunidades um interesse pela continuação da transição verde.

Mas essas considerações racionais, embora por interesse próprio, não ajudarão muito a convencer as pessoas que acreditam que a energia verde é uma conspiração contra o estilo de vida americano. Portanto, a guerra cultural tornou-se um grande problema para a ação climática –um problema de que realmente não precisamos agora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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