Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trumpismo é baseado em medo, não em realidade

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Há alguns dias, Kristi Noem, governadora republicana de Dakota do Sul —uma linha-dura do Maga (acrônimo do movimento trumpista "make America great again") às vezes mencionada como uma possível companheira de chapa de Donald Trump— alertou que o presidente Biden está "reconstruindo" a América, transformando-nos em Europa.

Meu primeiro pensamento foi: então ele vai aumentar nossa expectativa de vida em cinco ou seis anos? No entanto, no contexto, ficou claro que Noem considera, ou espera que sua audiência acredite, que a Europa é um cenário de caos causado por hordas de imigrantes.

Homem veste boné vermelho com o slogan trumpista "make America great again", bordado em branco
Homem veste boné com o slogan trumpista "make America great again" - Cheney Orr/Reuters

Passei bastante tempo caminhando por várias cidades europeias no ano passado, e nenhuma delas era um cenário apocalíptico. Sim, em termos gerais, a Europa tem tido problemas para lidar com os migrantes, e a imigração se tornou uma questão política quente. E sim, a recuperação econômica da Europa tem ficado atrás da dos Estados Unidos. Mas as visões de um continente devastado pela imigração são fantasias.

No entanto, essas fantasias agora são a moeda comum da direita americana. Recorda-se dos dias em que os especialistas declaravam solenemente que o trumpismo era causado por "ansiedade econômica"? Bem, apesar de uma economia em crescimento, ainda há muita ansiedade justificada por aí, refletindo as lutas reais de muitas pessoas: a América ainda é uma nação cheia de desigualdade, insegurança e injustiça. Mas a ansiedade que impulsiona o Maga não é impulsionada pela realidade. É, ao invés disso, impulsionada por visões distópicas não relacionadas à experiência real.

Neste ponto, a estratégia política republicana depende em grande parte de assustar eleitores que estão indo relativamente bem no âmbito privado, não apenas de acordo com estatísticas oficiais, mas também de acordo com seus próprios relatos, dizendo-lhes que coisas terríveis estão acontecendo com outras pessoas.

Isso é mais óbvio quando se trata da economia dos EUA, que teve um ano de 2023 muito bom —de fato, quase milagrosamente bom. O crescimento econômico não apenas desafiou as previsões generalizadas de uma recessão iminente, mas também superou em muito as expectativas; a inflação despencou e está mais ou menos onde o Federal Reserve quer que esteja. E as pessoas estão sentindo isso em suas próprias vidas: 63% dos americanos dizem que sua situação financeira é boa ou muito boa.

No entanto, em um comício há alguns dias, Nikki Haley declarou que "temos uma economia em ruínas e uma inflação fora de controle". E é provável que os republicanos que a ouviram acreditem nela. De acordo com a YouGov, quase 72% dos republicanos dizem que nossa economia 3-2 —aproximadamente 3% de crescimento e 2% de inflação— está piorando, enquanto apenas um pouco mais de 6% dizem que está melhorando.

Novamente, esse veredicto negativo não reflete a experiência pessoal. Em dezembro, a YouGov perguntou aos americanos para avaliar 2023 em geral. Os republicanos disseram que foi terrível para a nação, com 76% dizendo que o ano foi ruim ou terrível. Estranhamente, no entanto, 69% dos republicanos —quase o mesmo número— disseram que o ano foi OK, bom ou ótimo para eles no âmbito privado.

Agora, essa última pesquisa não se limitava especificamente ao estado da economia e, presumivelmente, também refletia coisas como percepções sobre o crime. O crime, contudo, diminuiu significativamente em 2023, o que, em um mundo racional, teria contribuído para a boa economia e para a sensação de que as coisas estão melhorando.

Mas o mundo —especialmente o mundo do Maga— não é racional. E é uma observação antiga que os americanos tendem a dizer que o crime nacional está aumentando mesmo quando está diminuindo, e mesmo quando admitem que está diminuindo onde vivem.

Esse equívoco está fortemente associado ao partidarismo, com uma disposição surpreendente dos republicanos em acreditar em coisas que não são verdadeiras.

Acreditar falsamente que a Europa é um continente à beira da ruína é uma coisa (embora milhões de americanos visitem a Europa e, portanto, tenham a chance de ver por si mesmos, a cada ano). É muito mais difícil desculpar a crença de que Nova York —uma das maiores cidades mais seguras da América— é uma espécie de terra urbana devastada.

Afinal, estima-se que mais de 50 milhões de americanos visitaram a Big Apple no ano passado, e muitas pessoas que não visitaram Nova York conhecem alguém que visitou ou que, como eu, realmente mora aqui. No entanto, apenas 22% dos republicanos dizem que a cidade é segura para visitar ou morar.

A crítica a Nova York levanta a questão do quanto os apoiadores do Maga estão dispostos a ignorar a evidência de seus próprios olhos. As pessoas compram gasolina o tempo todo; quando Trump diz "os preços da gasolina agora são de US$ 5, US$ 6, US$ 7 e até US$ 8 o galão", cerca de duas vezes o preço claramente exibido em grandes placas por todo o país, seus seguidores acreditam nele?

E, é claro, há a pandemia de Covid, em que a politização das vacinas pelo Maga parece ter contribuído para taxas de mortalidade mais altas entre os republicanos.

O que isso diz sobre o futuro da América? Não pode ser bom. Um grande segmento do nosso corpo político, na prática, se juntou a um culto de personalidade cujas crenças são quase impermeáveis à realidade.

Então, como isso aconteceu conosco? A verdade é que eu não sei. Mas não se pode falar seriamente sobre o estado da América sem reconhecer a onipresença da visão de mundo baseada no medo do Maga.

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