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Emergência política em espaços de pouca visibilidade precisa ser freada

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Por Edilana Damasceno

Com a chegada das eleições, é hora de implementar um debate político para evitar a perpetuação do descaso.

A proximidade do dia 15 de novembro deixa as discussões políticas no país cada vez mais acaloradas, seja nas redes sociais ou nos veículos de comunicação. É pouca a importância dada para as necessidades dos outros municípios das regiões metropolitanas e do interior dos estados, que historicamente lidam com o abandono. Não se pode mais ignorar: existe uma emergência política que precisa ser freada.

Levantamento feito pelas ONGs Terra de Direitos e Justiça Global sobre violência política —tema já abordado nesta coluna— apurou que a cada 13 dias é registrado pelo menos um caso de ataque à vida contra representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos no Brasil. Foram 125 casos de atentados e assassinatos entre 2016 e setembro deste ano, sendo a maioria no Rio de Janeiro, seguido de Minas Gerais, Ceará, Maranhão e Pará empatados em segundo lugar. Além disso, 83% da ações ocorreram em cidades do interior do país, índice que comprova quais são os lugares que mais sofrem com uma política baseada em brutalidade e extermínio. Durante a campanha deste ano, foi registrada uma morte a cada três dias desde setembro.

O IBGE estima que no Brasil cerca de 7,4 milhões de pessoas se deslocam diariamente entre a cidade em que vivem e outra, onde trabalham ou estudam, em geral a capital de seus estados. Desses, 1,75 milhão estão em São Paulo e 1 milhão, no Rio de Janeiro. Ou seja, boa parte dos trabalhadores e estudantes das capitais precisam realizar um trajeto para enfrentar problemas que não são tão visíveis do lado oposto aos seus destinos. Questões que vão desde saneamento básico até a falta de incentivo à cultura e ao lazer.

São Gonçalo, a segunda cidade mais populosa do Rio de Janeiro, possui um Teatro Municipal que nunca chegou a ser utilizado. A menos de 40 quilômetros está o município de Belford Roxo, o quinto pior índice do Brasil referente a qualidade de água e esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil. A situação piora fora do Sudeste: o mesmo instituto revelou que menos de 40% dos moradores do Nordeste têm esgoto tratado e que, em Ananindeua, segundo município mais populoso do Pará, 98% da população vivem sem coleta de esgoto.

A lista de necessidades é extensa e esclarece como a ausência de recursos básicos evidencia uma emergência política em algumas regiões. Por isso, falar na escolha de representantes é falar em proteção a esses recursos e em qualidade de vida, fatores que são frequentemente negados a corpos pretos e favelados e que podem se agravar ainda mais com uma má influência territorial.

É urgente a percepção de que lugares fora das capitais não são um universo à parte, e sim uma extensão delas. Neles existem vidas, produção de conhecimento e famílias que também são detentoras de direitos. Cidadãos como os de Duque de Caxias, que correm o risco de enfrentar mais quatro anos de uma administração que falhou em entregar obras prometidas e proteger a cidade de uma pandemia. Que, como os de Nova Iguaçu, viram dois candidatos a vereador serem assassinados em menos de 11 dias e que lidam com o medo dessa violência. A política internacional tem sido pauta no último mês, porém a situação se agrava a uma linha de ônibus de distância.

É necessário também ter atenção para as gestões municipais, pois é delas que saem direcionamentos decisivos na vida de uma população e o reconhecimento do transtorno causado pela má gestão. Talvez a importância da escolha dos chefes do Poder Executivo e dos representantes do Legislativo locais tenha sido invisibilizada com o passar dos tempos conforme os olhares se voltaram para outras esferas. Talvez a desesperança tenha se estabilizado e encontrado conforto em algumas cidades. Talvez nem haja alguma resposta certeira que explique o atual cenário.

Independentemente dos questionamentos, o Brasil está a menos de uma semana do primeiro turno das eleições municipais e ainda há tempo de fomentar estratégias coletivas a fim de que se tenha ao menos uma resposta efetivas nas urnas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, mais de 33% das candidaturas em 2020 são femininas, e pela primeira vez o número de candidatos autodeclarados pretos ou pardos supera o de brancos. São números que podem vir a diminuir a falta de representatividade de gênero ou racial como motivo para o desinteresse com a política nas cidades. Resta ao cidadão conhecer, avaliar e escolher as pessoas que vão defender necessidades urgentes.

Não se engane em pensar que a situação está totalmente abandonada. Existem organizações de ativistas locais que mostraram suas potências principalmente durante a pandemia —em que faltaram assistência política e sobraram atitudes efetivas vindas das organizações civis. No entanto, ainda é preciso que os brasileiros tenham pessoas nas câmaras e nas prefeituras dispostas a garantir a qualidade das atribuições que lhes cabem.

A vulnerabilidade de algumas regiões também abre caminho para o surgimento de promessas que não poderão ser cumpridas. O resultado de 2018 no Rio de Janeiro, que elegeu um governador hoje afastado do cargo, foi decidido expressivamente fora da capital, principalmente na Baixada e na Região dos Lagos. Fica cada vez mais evidente a importância da construção de um debate político mais expandido em locais como esses.

Para além das capitais, quando o Brasil caminhar politicamente rumo à implementação de políticas públicas efetivas, à garantia dos direitos e ao fim de gestões que neguem esses recursos, o impacto será notório na vida de todos, residindo ou não em espaços de pouca visibilidade.


Edilana Damasceno é mulher negra, moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, estudante de jornalismo na UFRJ e coordenadora de comunicação no Liderança Popular Cidadã.

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