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O passe livre e a abstenção eleitoral compulsória

Gratuidade do transporte reforça livre exercício do direito de votar

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Paique Duques Santarém

Militante do Movimento Passe Livre, co-organizador e co-autor do livro Mobilidade Antirracista

Vitor Dias Mihessen

Coordenador na Casa Fluminense e co-autor dos livros Não Foi em Vão e Mobilidade Antirracista

A poucos dias do segundo turno das eleições temos muitas aflições. O avanço da necropolítica --o poder político para decretar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer, reforçado pelo atual governo -- e a inexistência de canais políticos para determinados povos são algumas delas. Uma questão mais urgente envolve a abstenção eleitoral compulsória, ou seja, o não exercício do direito de votar simplesmente porque não se consegue chegar ao local de votação por falta de mobilidade.

Como reação ao problema, surgiu a pressão nacional pela tarifa zero nas eleições. A campanha Passe Livre Pela Democracia argumenta que as gratuidades permitirão o livre exercício do direito de votar.

A despeito de ações contrárias do governo Bolsonaro e de bolsonaristas, a proposta tem tido resultados exitosos, com adesão de muitas cidades e estados, que, até a conclusão deste texto, concentravam mais de oitenta milhões possíveis de beneficiários com isenção de passagem no domingo.

A tarifa zero seria o caminho para solucionar abstenção compulsória - Rivaldo Gomes - 09 set/Folhapress

Nessa disputa, temos uma radiografia das debilidades do direito de votar e também do de circular, como mostram os mapas da desigualdade. Ao observar a distribuição racial da população no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, por exemplo, percebe-se a correlação entre abstenção eleitoral e segregação.

Além do voto, todos os outros direitos cotidianos são debilitados pela falta de mobilidade --e também pelo racismo --, como saúde, educação, cultura, lazer e trabalho. Sobre a configuração espacial do racismo temos larga literatura, como Lélia Gonzales e sua obra "Lugar de Negro" (1982), em uma ampla reflexão crítica sobre como o racismo opera espacialmente, determinando historicamente locais e comportamentos racialmente segregados. Há um conjunto de dados georreferenciados tratando do assunto, inclusive aqueles produzidos pelo próprio Estado.

Porém, sobre como a mobilidade racista opera neste sentido ainda temos poucas reflexões. Nós, como autores que militam e pesquisam sobre o assunto, queremos apontar alguns motivos: a redução do transporte à esfera municipal aprisiona-o nas mãos dos poderosos locais, normalmente herdeiros ou propagadores das violências estruturais.

A gestão realizada por empresas, governos e técnicos exclui o povo (passageiros, vizinhos e trabalhadores) da história. O financiamento pela tarifa exclui os mais pobres e pretos. Disso resulta uma política orientada pelos setores da cidade que não só se beneficiam como tem interesse explícito na necropolítica. O racismo tem uma dimensão espacial e, também, organiza a forma da mobilidade urbana, pois quem lucra e decide sobre o mesmo são os setores racistas da sociedade.


Os problemas desse modelo de mobilidade ficaram mais explícitos na pandemia. A mobilidade, que há séculos é um problema para pretos, mulheres e pobres, agora também se transformou em uma crise para a burguesia em razão da redução de passageiros; competição com o rodoviarismo; da uberização da circulação na cidade; da crise de financiamento pela tarifa cada vez mais cara paga por uma população cada vez mais pobre; da falta de investimentos em infraestrutura para mobilidade coletiva e também de mecanismos estaduais e federais de intervenção qualificada.

Mas a solução já está nascendo. Nas manifestações de ruas, nas organizações da sociedade civil e na pressão política de agentes públicos comprometidos tivemos avanços recentes. A conquista do transporte como direito social constitucional em 2015 é fruto destas lutas.

Agora, o conjunto da sociedade civil elaborou uma proposta do SUS do transporte, o SUM (Sistema Único de Mobilidade). Pautado nos princípios de equidade, universalidade, acessibilidade, integralidade, sustentabilidade, o SUM busca mecanismos de participação e controle social deliberativos; a gestão e financiamento do transporte com participação das três esferas estatais, o compromisso dos setores da sociedade com um sistema barato, bom, seguro e limpo, que combata a pobreza, o racismo, o machismo e a degradação ambiental.

Esta disputa sobre os caminhos da mobilidade perpassa as eleições e vai para além dela. Tanto porque a falência da mobilidade, atualmente em crise, seguirá em debate inevitavelmente nos próximos anos, como também porque as rupturas políticas, a crise econômica e as guerras colocam em outro patamar nossas dimensões da democracia.

Voltando ao tema da abstenção compulsória ocasionada pela imobilidade urbana, a crônica ironia deste modelo está expressa em um sistema que cobra multa da pessoa que não vota, mas, simultaneamente, boicota esse direito, chamando-o de dever.

As consequências de não votar são grandes nestas eleições. As consequências de não acessar direitos de forma estrutural são maiores, determinando inclusive aqueles pleitos. A tarifa zero do Sistema Único de Mobilidade é caminho também para solução da abstenção compulsória sobre a cidade.

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