Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Prefeitos e governadores, liberem o passe livre no transporte para que todos possam votar

Prefeituras e governos deveriam ser reembolsados pelo fundo eleitoral

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As taxas de abstenção vêm subindo a cada eleição. Em 1989, primeira eleição presidencial direta após a ditadura, a taxa de abstenção no país foi de 9,5%. Trinta e três anos depois, no 1º turno de 2022, esse índice alcançou 20,6%.

Cerca de 32,7 milhões de brasileiros não votaram em 2 de outubro e, como se sabe, o problema afeta mais intensamente a população pobre e de menor escolaridade. Essa tendência precisa ser revertida, se entendemos que as eleições são importantes para o futuro do país.

Fila de passageiros ao lado de um ônibus parado no ponto final
Até agora, 51 municípios, incluindo 19 capitais, já aderiram ao Passe Livre Eleitoral. São Paulo, porém, está fora - Rivaldo Gomes - 9.set.22/Folhapress

As causas da abstenção são muitas e podem ser divididas em três grandes categorias:

  1. Os que não querem votar por desilusão ou opção política, para quem o voto não deveria ser obrigatório;
  2. Os que querem votar, mas estão impossibilitados por razões pessoais, como problemas graves de saúde ou estarem temporariamente em viagem;
  3. Os que querem votar, mas que, por razões alheias à sua vontade e condição, encontram dificuldades materiais para votar, como falta ou custo de transporte até os locais de votação, não liberação do trabalho pelo empregador no dia e horário de votação e dificuldades burocráticas para tirar o título ou transferir o domicílio eleitoral.

Não vou entrar na polêmica em relação à primeira razão, ou seja, se o voto deve ou não ser obrigatório. O tema já foi tratado algumas vezes na Folha por colaboradores como Ives Gandra Martins, Carlos Miguel Aidar e Helio Schwartsman. Minha argumentação está baseada na legislação em vigor e na sua aplicação.

O fato é que, embora o voto seja formalmente obrigatório, as penalidades para quem não quiser ou não puder votar são fracas. O eleitor pode justificar a ausência com muita facilidade e, se não o fizer no prazo de dois meses, basta pagar uma multa de valor insignificante, que varia de R$ 1,05 a R$ 3,51.

Quem não fizer nada disso, fica sujeito a penalidades mais fortes, como não conseguir tirar passaporte, receber vencimentos ou salários do poder público, participar de concorrências e licitações, inscrever-se em concursos públicos e renovar matrícula em estabelecimento escolar público.

Mas, como muitas leis no Brasil, é fácil encontrar um jeitinho de contornar a obrigação. Se alguém estiver em débito com a Justiça Eleitoral, na hora que precisar comprovar a quitação eleitoral é só ir ao cartório, pagar a multa e está liberado.

Se, por um lado, a Justiça Eleitoral não é rígida com quem não quer ou não pode votar, muito pouco é feito para apoiar os cidadãos que querem votar e são impedidos por razões materiais, documentais ou por coerção dos empregadores, situação abordada no item 3.

Se votar é uma obrigação, o poder público precisa criar as condições para que todas e todos possam exercer esse direito, seja fazendo busca ativa para regularizar a situação documental, seja facilitando o deslocamento do eleitor ao local da votação, seja punindo severamente os empregadores que não liberem o trabalhador no dia da eleição.

É nessa perspectiva que deve ser debatida a questão do passe livre no transporte coletivo, tema que ganhou grande importância no segundo turno das eleições de 2022.

Em decisão recente, o STF deu aval e segurança jurídica para as administrações municipais e estaduais, assim como empresas de ônibus, metrô e trens oferecerem transporte gratuito no dia das eleições.

Isso é ótimo, mas a decisão do STF é autorizativa e não impositiva. Cabe aos prefeitos e governadores decidirem se adotam a medida. Até o momento, apenas sete estados e cerca de 51 municípios, dentre os quais 19 capitais, aderiram ao passe livre eleitoral. São Paulo está fora dessa lista.

O tema veio à baila muito tardiamente. Na perspectiva de facilitar e estimular o cidadão a exercer seu direito de voto, a legislação federal já deveria ter estabelecido a obrigatoriedade de se liberar o transporte público gratuito no dia das eleições em todo território nacional, assim como criado as condições financeiras para garantir esse serviço.

Teria todo o sentido, por exemplo, a utilização de uma parcela do fundo eleitoral (que chegou a quase R$ 5 bilhões) para ressarcir os estados e municípios responsáveis pelo serviço.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, está sendo questionado por cem entidades da sociedade civil para adotar o passe livre. O Tribunal de Justiça deu 48 horas para ele se manifestar sobre o assunto, pois ele não tem se sensibilizado.

Como a prefeitura de São Paulo já gasta cerca de R$ 3 bilhões no subsídio do transporte coletivo e está com enorme folga de caixa, não existe razão de ordem financeira para não adotar a medida. O prefeito tem alegado que seus antecessores, de diferentes partidos, não adotaram a medida no passado, o que não é justificativa plausível.

Por outro lado, ele minimiza o problema, alegando que pesquisa do Datafolha mostrou que apenas 2% dos eleitores que disseram não ter ido votar alegaram como razão a falta de dinheiro, e outros 8%, a distância ao local da votação. As razões com maior incidência seriam saúde (22%), desinteresse (15%) e estar fora da cidade (15%).

É óbvio que a disponibilidade e o custo do transporte respondem por apenas uma parte relativamente pequena das causas da abstenção. Mas 10% dos cidadãos que não votaram em decorrência de problemas de mobilidade representam, em nível nacional, quase 3,3 milhões de eleitores, número mais do que suficiente para alterar o resultado das eleições.

Embora a pressão esteja sendo feita basicamente sobre o prefeito de São Paulo, o passe livre precisa ser adotado também pelo governo do Estado, o responsável por metrô, CPTM e ônibus intermunicipais nas regiões metropolitanas.

Devido ao custo da moradia em São Paulo, muitos paulistanos mudaram para outros municípios da Região Metropolitana e são obrigados a tomar dois ou mais modais para chegar aos locais de votação. Há casos em que podem despender até R$ 27 para ir votar (ida e volta), custo elevado para um trabalhador de baixa renda.

Esse não é o único remédio para enfrentar a elevada abstenção. Mas sua adoção, em todos os estados e municípios do país, é necessária e deve estar combinada com outras iniciativas para garantir que os que queiram votar possam exercer esse direito.

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