As taxas de abstenção vêm subindo a cada eleição. Em 1989, primeira eleição presidencial direta após a ditadura, a taxa de abstenção no país foi de 9,5%. Trinta e três anos depois, no 1º turno de 2022, esse índice alcançou 20,6%.
Cerca de 32,7 milhões de brasileiros não votaram em 2 de outubro e, como se sabe, o problema afeta mais intensamente a população pobre e de menor escolaridade. Essa tendência precisa ser revertida, se entendemos que as eleições são importantes para o futuro do país.
As causas da abstenção são muitas e podem ser divididas em três grandes categorias:
- Os que não querem votar por desilusão ou opção política, para quem o voto não deveria ser obrigatório;
- Os que querem votar, mas estão impossibilitados por razões pessoais, como problemas graves de saúde ou estarem temporariamente em viagem;
- Os que querem votar, mas que, por razões alheias à sua vontade e condição, encontram dificuldades materiais para votar, como falta ou custo de transporte até os locais de votação, não liberação do trabalho pelo empregador no dia e horário de votação e dificuldades burocráticas para tirar o título ou transferir o domicílio eleitoral.
Não vou entrar na polêmica em relação à primeira razão, ou seja, se o voto deve ou não ser obrigatório. O tema já foi tratado algumas vezes na Folha por colaboradores como Ives Gandra Martins, Carlos Miguel Aidar e Helio Schwartsman. Minha argumentação está baseada na legislação em vigor e na sua aplicação.
O fato é que, embora o voto seja formalmente obrigatório, as penalidades para quem não quiser ou não puder votar são fracas. O eleitor pode justificar a ausência com muita facilidade e, se não o fizer no prazo de dois meses, basta pagar uma multa de valor insignificante, que varia de R$ 1,05 a R$ 3,51.
Quem não fizer nada disso, fica sujeito a penalidades mais fortes, como não conseguir tirar passaporte, receber vencimentos ou salários do poder público, participar de concorrências e licitações, inscrever-se em concursos públicos e renovar matrícula em estabelecimento escolar público.
Mas, como muitas leis no Brasil, é fácil encontrar um jeitinho de contornar a obrigação. Se alguém estiver em débito com a Justiça Eleitoral, na hora que precisar comprovar a quitação eleitoral é só ir ao cartório, pagar a multa e está liberado.
Se, por um lado, a Justiça Eleitoral não é rígida com quem não quer ou não pode votar, muito pouco é feito para apoiar os cidadãos que querem votar e são impedidos por razões materiais, documentais ou por coerção dos empregadores, situação abordada no item 3.
Se votar é uma obrigação, o poder público precisa criar as condições para que todas e todos possam exercer esse direito, seja fazendo busca ativa para regularizar a situação documental, seja facilitando o deslocamento do eleitor ao local da votação, seja punindo severamente os empregadores que não liberem o trabalhador no dia da eleição.
É nessa perspectiva que deve ser debatida a questão do passe livre no transporte coletivo, tema que ganhou grande importância no segundo turno das eleições de 2022.
Em decisão recente, o STF deu aval e segurança jurídica para as administrações municipais e estaduais, assim como empresas de ônibus, metrô e trens oferecerem transporte gratuito no dia das eleições.
Isso é ótimo, mas a decisão do STF é autorizativa e não impositiva. Cabe aos prefeitos e governadores decidirem se adotam a medida. Até o momento, apenas sete estados e cerca de 51 municípios, dentre os quais 19 capitais, aderiram ao passe livre eleitoral. São Paulo está fora dessa lista.
O tema veio à baila muito tardiamente. Na perspectiva de facilitar e estimular o cidadão a exercer seu direito de voto, a legislação federal já deveria ter estabelecido a obrigatoriedade de se liberar o transporte público gratuito no dia das eleições em todo território nacional, assim como criado as condições financeiras para garantir esse serviço.
Teria todo o sentido, por exemplo, a utilização de uma parcela do fundo eleitoral (que chegou a quase R$ 5 bilhões) para ressarcir os estados e municípios responsáveis pelo serviço.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, está sendo questionado por cem entidades da sociedade civil para adotar o passe livre. O Tribunal de Justiça deu 48 horas para ele se manifestar sobre o assunto, pois ele não tem se sensibilizado.
Como a prefeitura de São Paulo já gasta cerca de R$ 3 bilhões no subsídio do transporte coletivo e está com enorme folga de caixa, não existe razão de ordem financeira para não adotar a medida. O prefeito tem alegado que seus antecessores, de diferentes partidos, não adotaram a medida no passado, o que não é justificativa plausível.
Por outro lado, ele minimiza o problema, alegando que pesquisa do Datafolha mostrou que apenas 2% dos eleitores que disseram não ter ido votar alegaram como razão a falta de dinheiro, e outros 8%, a distância ao local da votação. As razões com maior incidência seriam saúde (22%), desinteresse (15%) e estar fora da cidade (15%).
É óbvio que a disponibilidade e o custo do transporte respondem por apenas uma parte relativamente pequena das causas da abstenção. Mas 10% dos cidadãos que não votaram em decorrência de problemas de mobilidade representam, em nível nacional, quase 3,3 milhões de eleitores, número mais do que suficiente para alterar o resultado das eleições.
Embora a pressão esteja sendo feita basicamente sobre o prefeito de São Paulo, o passe livre precisa ser adotado também pelo governo do Estado, o responsável por metrô, CPTM e ônibus intermunicipais nas regiões metropolitanas.
Devido ao custo da moradia em São Paulo, muitos paulistanos mudaram para outros municípios da Região Metropolitana e são obrigados a tomar dois ou mais modais para chegar aos locais de votação. Há casos em que podem despender até R$ 27 para ir votar (ida e volta), custo elevado para um trabalhador de baixa renda.
Esse não é o único remédio para enfrentar a elevada abstenção. Mas sua adoção, em todos os estados e municípios do país, é necessária e deve estar combinada com outras iniciativas para garantir que os que queiram votar possam exercer esse direito.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.