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O lugar das periferias no governo Lula

Criação de secretaria permite que moradores que vivenciam mazelas construam políticas sob suas perspectivas

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Guilherme Simões

Periférico do Grajaú (SP), professor de Sociologia, mestre em Serviço Social e secretário nacional de Políticas para Territórios Periféricos (Ministério das Cidades)

Uma das novidades desse terceiro mandato de Lula é a criação da Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos, dentro do recriado Ministério das Cidades. Há muito tempo, movimentos sociais, organizações periféricas e formuladores da política urbana apontam para a necessidade de um espaço decisório no Estado voltado para as quebradas.

O presidente Lula, conectado com a realidade do nosso povo, logo que ganhou as eleições em 2022, determinou que a favela teria vez e voz no seu governo. Estamos aqui.

As periferias brasileiras são territórios que expressam a mais cruel herança da escravidão, a segregação urbana, racial, territorial, social. São territórios reconhecidamente de ausência e abandono por parte do Estado, que muitas vezes nos chega por meio da violência e da morte. Mas e também por isso, as periferias foram e são territórios de organização da sobrevivência.

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Comunidade Sol Nascente, em Ceilândia, no Distrito Federal, tem cerca de 100 mil habitantes e quase nenhum serviço público - Pedro Ladeira/Folhapress

São infinitos os exemplos de uma economia periférica auto gerida em torno do simples objetivo de se permanecer vivo. Mutirões, grupos de consumo coletivo, creches comunitárias, cozinhas solidárias, entre outros.

A criação da Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos expressa a importância dos movimentos sociais que atuam nas periferias. Por si só, isso é um enorme ganho para o nosso povo. Porém, mais do que uma importante conquista, a Secretaria das Periferias é um desafio histórico.

Trata-se de fazer com que um espaço de debate, decisão e execução de política pública passe pelas mãos e mentes de pessoas que vivem os problemas periféricos e que já constroem coletivamente alternativas ao modo de vida que nos esmaga.

Na Secretaria das Periferias temos duas tarefas ordinárias e fundamentais: a urbanização de favelas e a prevenção de riscos. A primeira requer a entrega de obras que levem dignidade para os mais pobres considerando as necessidades de cada território.

É preciso partir do princípio de que as periferias brasileiras são extremamente diversas. Basta observar as diferenças existentes entre as periferias amazônidas e as do sudeste. Embora as carências sejam muito parecidas, as formas de organizar alternativas diferem substancialmente da Terra Firme, bairro da periferia de Belém, até o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

A segunda se impõe como urgência para que tragédias como a de São Sebastião, que deixou 64 mortos e milhares de desabrigados, no litoral norte de São Paulo, não se repitam. São diversos pontos de risco espalhados pelo país, sendo a imensa maioria em áreas de grande vulnerabilidade social.

Cito como exemplo de altíssimo risco a região do Ibura, na divisa de Recife com Jaboatão dos Guararapes, onde as casas se confundem com as barreiras e se "protegem" com lonas pretas estendidas para ajudar a escoar a água das chuvas.

Dentro dessas tarefas, os desafios são enormes: proporcionar melhoria na vida das pessoas, de forma a não mercantilizar ainda mais nossos territórios; apoiar as políticas locais que visem a urbanização e prevenção; construir um processo participativo que conecte o poder público às reais necessidades das periferias; contribuir para um processo de integração social; empoderar iniciativas territoriais, entre muitos outros.

O principal dos nossos desafios é colocar a periferia no centro das políticas públicas das nossas cidades, com o maior nível de investimento nas favelas. Afinal, estamos falando de regiões com enorme carência de infraestrutura urbana e equipamentos públicos que ofereçam serviços, como a favela do Sol Nascente, no Distrito Federal, ou a região do Jangurussu, em Fortaleza.

Contudo, é necessário que esse investimento seja feito em consonância com o ponto de vista das periferias, das necessidades reais, dos mapeamentos já existentes, dos planos populares feitos nos bairros.

É fundamental também que não se considere a segurança pública como intervenção a ser feita de maneira isolada, para que se reduza e se combata a unilateralidade da atuação do Estado como violência e repressão. Há muito que as periferias apontam para a necessidade de um Estado social nos territórios. Essa inteligência que indica carências e também as potências periféricas já existe e está sob tutela cuidadosa das organizações territoriais. Passou da hora de o Estado brasileiro reconhecê-las e fomentá-las.

As organizações periféricas estão prontas para realizarem políticas públicas em âmbitos diversos. Quem duvida não as conhece ou reproduz preconceito.

Historicamente, as organizações dos territórios sempre aplacaram a ausência do Estado, além de organizar lutas para reivindicar a atuação do Estado nos bairros. É incontável o número de vidas periféricas salvas pelas entidades que atuam nos territórios periféricos.

Mais recentemente, elas resistiram ao golpismo, foram às ruas a cada ataque bolsonarista, criaram autonomamente soluções para a crise de fome que se abateu sobre os pobres deste país, formaram redes de combate à fome durante a pandemia de Covid-19 e se mobilizaram para derrotar Bolsonaro e sua necropolítica.

Sem as periferias deste país, especialmente sem aqueles territórios onde se respira organização popular, talvez nosso presidente Lula não tivesse vencido as eleições, mas ele venceu.

E, agora, aposta que as periferias podem mostrar sua voz e iniciativas para ajudar a resolver nossos passivos. Mostra que o Estado brasileiro deve assumir suas responsabilidades e ajudar a pagar a dívida histórica que tem com os mais pobres, pretos e preteridos. A periferia veio pra ficar!

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