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Ribeirinhos incomodam muita gente

Brasil foi o país mais perigoso do mundo para ativistas ambientais na última década, segundo pesquisa

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Em tempos em que a fronteira do desenvolvimento tecnológico mobiliza nossas atenções para imaginações artificiais, a fronteira do arroz, da soja e da pecuária extensiva mobiliza novas tensões para territórios materiais, onde a presença, a história e o modo de vida das comunidades tradicionais incomodam, incomodam, incomodam muita gente.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante reunião no Marajó
Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, visitou Marajó no início de março e ouviu da sociedade civil denúncias de conflitos de terras em territórios quilombolas da região - Observatório do Marajó

Depois de seis anos em que o Estado Brasileiro institucionalizou a corrupção nas políticas ambientais, ao aceitar, com aparência de normalidade e legalidade, o esvaziamento dos mecanismos de consulta e das instituições públicas de controle e garantia de direitos territoriais, como o Incra e o Ibama, a situação ainda está longe do cenário de bem viver que as populações tradicionais baseiam suas existências.

Os primeiros cem dias de governo Lula não são de festa, nem apenas de reconstrução. Para lideranças de comunidades tradicionais e ativistas na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado, o primeiro semestre de 2023 parece o último momento que os donos das boiadas acreditam ter para exercer os resquícios do monopólio da violência que pegaram emprestado do Estado, por sua tolerância, autorização ou usurpação.

Com menos a perder do que quando achavam que o Brasil tinha um rei e eles eram amigos e vizinhos, escalonam as ameaças, intimidações e violências.

É complexa e rebuscada a estrutura que produz o aumento da violência no campo que assola nosso país e enfraquece nossa República. É parte fundamental dela não só os que cercam as margens dos rios, envenenam mananciais e solos, queimam criminosamente florestas e campos em territórios quilombolas e extrativistas, mas também aqueles que desmantelam os mecanismos de controle e proteção, deturpam os espaços de consulta prévia e participação popular, valem-se de intimidações policiais, assédios judiciais, campanhas de difamação na internet.

Rio na Ilha do Marajó
Segundo dados da WWF, a Ilha do Marajó é uma das dez unidades de conservação mais ameaçadas por obras de infraestrutura e conflitos de terra da Amazônia - Say Minato/Observatório do Marajó

Como o meme do Homem Aranha apontando para outras versões de si mesmo, no multiverso da estrutura promíscua dos crimes ambientais, essas também são as mesmas pessoas.

Segundo relatório de 2022 da organização internacional Global Witness, o Brasil foi o país mais perigoso do mundo para ativistas ambientais na última década.

O que o Ministério Público e os novos Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos, do Meio Ambiente e da Igualdade Racial estão fazendo para combater já essa estrutura criminosa que corrompe nossas instituições, incendeia nossos territórios, mina nossas possibilidades de um futuro digno enquanto país e derruba os corpos de homens e mulheres como Teodoro Lalor de Lima, quilombola marajoara cujo assassinato completa dez anos sem mandantes condenados?

Até quando teremos uma polícia que investiga primeiro ativistas do que as denúncias que fazem?

Para quem está longe, falta a visão de que não há crime ambiental apenas contra o meio ambiente: trata-se, necessariamente, de uma cadeia criminosa, que envolve agentes públicos, especialistas que darão aparência de legalidade, intermediários, laranjas, pistoleiros e milícias privadas, agindo contra tudo e todos que estão naquele território e não participam de tal rede.

O político que faz discurso bonito para filantropo e investidor é o mesmo que empurra obras de infraestrutura para o agronegócio sem consulta popular e reparação para as comunidades atingidas pelos impactos ambientais que nunca são adequadamente previstos e compensados.

Para quem está onde a política pública não chega, sobra a visão e falta a proteção. São os ribeirinhos, quilombolas, extrativistas e indígenas que lembram que a terra já era de uma comunidade e um povo antes que os senhores de engenho, expulsos da metrópole --ou da última grande operação de combate ao garimpo --, falsificassem documentos e reivindicassem propriedade desses territórios ancestrais.

Políticas de reforma agrária são urgentes neste país desde que ele se fundou.

Comunidades do Marajó
População do Marajó que vive em comunidades tradicionais, ribeirinhas, quilombolas e extrativistas, de Afuá a Salvaterra, viu as intimidações, ameaças e violências por grileiros e fazendeiros aumentar nos últimos quatro anos - Say Minato/Observatório do Marajó

Uma reforma nas políticas de segurança, que leve à redução das violências e crimes, e não à continuidade da guerra aos pobres e vulneráveis, é fundamental para a proteção de nossa gente, nossas terras e nossas fronteiras. Assim como medidas concretas para lidar com a milicianização dos territórios e das diferentes forças policiais do país.

O caminho que a criminalização das drogas abre para as facções, milícias, coronéis e poderes paralelos é ocupado pelo contrabando ilegal da madeira, do ouro, da fauna e da flora brasileira, para encher de dinheiro a conta dos mesmos.

Aqueles que um dia foram os involuntários da pátria hoje são os que nos urgem a possibilidade de salvar este país. Ribeirinhos e ativistas incomodam muita gente. Ribeirinhos, quilombolas, extrativistas e indígenas lutando por seus direitos incomodam, incomodam, incomodam muito mais.

Valma Teles

Ativista socioambiental e diretora do Observatório do Marajó

Luti Guedes

Ativista socioambiental e diretora do Observatório do Marajó

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