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Descrição de chapéu Eleições 2022

Candidatos, precisamos falar sobre a regra fiscal

Neste segundo turno há muita conversa sobre gastos adicionais, mas pouca sobre como financiar essas despesas

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Mauro Rodrigues

Professor de economia na USP e autor do livro Sob a lupa do economista

Chegamos ao segundo turno das eleições presidenciais, com os dois candidatos prometendo mundos e fundos. Muita conversa sobre gastos adicionais –em grande parte meritórios, dada a necessidade de reduzir a pobreza e a desigualdade–, porém pouca sobre a maneira de financiar essas despesas. O avanço dos gastos sem uma correspondente elevação da arrecadação se traduz em uma dívida pública mais elevada. E é justamente aqui que está o enrosco.

A dívida não vem sem custos. Para mantê-la, é preciso pagar juros aos credores. Quanto mais os credores a percebem como arriscada (antecipando um cenário em que ficarão sem receber, ou que seu rendimento será corroído por inflação alta), maior a taxa de juros que o governo precisa pagar para compensar esse risco. Regras fiscais são importantes, na medida em que sinalizam que esse cenário é pouco provável. Com isso, o governo consegue manter a estabilidade de preços da economia e uma taxa de juros mais baixa.

É justamente aí que está faltando mais conteúdo para os nossos candidatos. Temos hoje uma regra fiscal (o teto dos gastos) que foi desfigurada. É um teto cheio de buracos. Que tipo de regra teremos no futuro para afastar as perspectivas de calote ou inflação alta?

Vista da fachada do Ministério da Economia, em Brasília. - 29.03.2022-Andre Ribeiro/Futura Press/Folhapress

Ao longo dos anos 2000, vivíamos em um mundo do chamado tripé macroeconômico –meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Em particular, o governo tinha uma meta de superávit primário, garantindo que a arrecadação seria maior do os gastos, sem contar os juros da dívida. Isso assegurava que a dívida permanecesse estável. Só que, no fim daquela década e no começo da seguinte, a arrecadação começou a fraquejar e os gastos continuavam a subir. O governo entrou no vermelho. Tudo isso culminou na brutal crise econômica de 2015-16. Juros e inflação dispararam, a renda per capita caiu 10% em dois anos, a taxa de desemprego ultrapassou a barreira dos dois dígitos.

A dívida pública passou a ser vista com enorme desconfiança pelos credores. O caminho futuro era claramente insustentável, com calote e/ou inflação alta permanentemente. Uma nova âncora fiscal era crucial para resgatar alguma credibilidade.

Eis que surge o teto dos gastos. Uma promessa de que os gastos federais seriam corrigidos apenas pela inflação por pelo menos dez anos. Note que a regra não leva imediatamente à obtenção de superávits primários. Ela é uma promessa de que isso ocorrerá no futuro, quando arrecadação voltar a crescer acima da inflação, superando o avanço da despesa.

Mas como garantir que essa promessa tenha algum valor? Coloque-a na Constituição. No caso, o Congresso aprovou uma emenda constitucional, algo nada trivial, pois demanda o "sim" de três quintos dos nossos representantes, nas duas casas, em dois turnos. Um sinal bem forte do comprometimento do governo.

E de fato funcionou, pelo menos inicialmente. Foi possível baixar a inflação e os juros conjuntamente. Houve um desvio da regra por causa da pandemia, mas totalmente justificado e dentro da regra, que permite elevar gastos além do teto quando há um estado de emergência.

Só que havia uma eleição no meio do caminho. E o que parecia difícil (mudar a Constituição para rever o teto) revelou-se muito fácil. Primeiro com a PEC dos Precatórios, depois com a implantação do auxílio emergencial em ano eleitoral. Novamente recorreu-se ao expediente do estado de emergência, mas dessa vez a justificativa não faz tanto sentido como antes.

A verdade é que nossos governantes acabaram queimando um cartucho importante. Não há mais como remendar o teto agora. A capacidade de sinalizar de forma crível a intenção de honrar compromissos no futuro, simplesmente emendando a Constituição, é carta fora do baralho. Dado o que aconteceu, é muito mais difícil acreditar nessa promessa.

Por isso precisamos de uma conversa franca com nossos candidatos sobre a regra fiscal. Gastos sociais são muito importantes, mas eles não podem ocorrer à custa de juros e inflação permanentemente mais elevados. Não é algo que ajuda o país a crescer e se tornar mais justo. Infelizmente, tudo indica que esse papo vai ficar para depois da eleição.

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