Marta só tem uma. O talento excepcional da maior jogadora de futebol de todos os tempos, eleita pela 6ª vez melhor do mundo, jamais será igualado. Além de Tostão, quem diz isso é o diretor do Iranduba, Lauro Tentardini. O clube da região metropolitana de Manaus é dono do recorde brasileiro de público numa partida entre mulheres e jogará a Libertadores feminina, em novembro.
Se alguma menina se aproximar de ser uma nova Marta, provavelmente nós, amantes do futebol no Brasil, seremos os últimos a perceber. Porque nós, apaixonados e especialistas, não damos a mínima para os jogos entre mulheres.
A Libertadores será disputada no Amazonas por 12 clubes, com três representantes brasileiros: Santos, campeão nacional, Audax, vencedor da última Libertadores, e Iranduba, clube anfitrião.
Marta nasceu em Dois Riachos, Alagoas, muitas garotas começaram a jogar por sua influência, mas o mapa do futebol brasileiro jamais alcançou o sertão. A Amazônia, sim. A Arena recebeu no ano passado 8 mil pessoas em média nos jogos do Iranduba.
A semifinal do Brasileiro de 2017, Iranduba e Santos, registrou 25 mil torcedores. A final da Champions League, em maio, Lyon e Wolfsburg, foi assistida por 14 mil.
O futebol feminino do Brasil evolui lenta e silenciosamente. Até 2013, um clube poderia ser eliminado do Brasileiro depois de apenas quatro jogos. Hoje, o mínimo de partidas é 14. “Falta um calendário para as divisões de base, promessa da CBF para o ano que vem, mas melhorou muito”, diz Tentardini.
Apesar de o Santos ter sido o último campeão, o futebol feminino espalhou-se. Santa Catarina é forte com o Kindermann, vice em 2014 e eliminado nas quartas de final do atual Brasileiro pelo Flamengo. O interior de São Paulo tem uma das semifinais: Ferroviária e Rio Preto. O outro semifinalista é o Corinthians. A razão para descentralizar é óbvia: “Em Kindermann e Manaus, houve mobilização de público. Sou de Porto Alegre. O Inter faz bom trabalho, mas a torcida só quer saber do masculino”, diz Tentardini.
O Iranduba recuperou o investimento das empresas da zona franca de Manaus e seu patrocinador é a Transire, fábrica de máquinas de cartões de crédito e débito. A procura por indústrias era óbvia também para os clubes masculinos do Amazonas, mas não existiu nos últimos quarenta anos, desde quando o Nacional-AM tinha Toninho Cerezo no meio de campo. Hoje, o Manaus F.C., da Série D do Brasileiro dos homens, é a exceção.
No futebol do Brasil, em se plantando, tudo dá.
Sem plantar, nasceu Marta. Hoje, há uma plantação incipiente. Não basta mais culpar o governo, o Ministério do Esporte ou a CBF, no caso do futebol feminino. A culpa é nossa. Quantos pais dão uma bola de futebol a uma menina, quando ela nasce, e quantos oferecem o brinquedo para o garotão, que vai ser craque? Quantas linhas de jornal você leu e quantas notícias na TV você viu sobre o Audax, campeão da Libertadores? Ou sobre o Iranduba? O público na semifinal do Brasileiro 2017 foi maior do que o de todas as finais de Champions League entre mulheres, menos três disputadas na Alemanha, país dos estádios cheios para meninos ou meninas.
O Brasil espera pelo talento de Kerolin, 17, da Ponte Preta, pretendida por clubes da China, sem que a maior parte do país nem sequer tenha ouvido falar nela. Kerolin pode ser a próxima Marta, mas nunca será igual, porque a melhor do planeta é como Pelé: só tem uma.
Se for craque, Kerolin não será milagre. Será fruto do trabalho de poucos, muito abnegados. E será tapa na cara de todos nós, que nem sabemos onde e como jogam nossas meninas.
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