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Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.

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Caso Cuca nos faz pensar em jornalismo e na ética do boleiro

Falta sempre uma pergunta, falha do jornalismo lacrador: 'O que você acha do caso, Cássio?'

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Cássio puxou a fila da corrida em direção ao técnico Cuca assim que Roger Guedes fez o gol de pênalti que deu a vaga nas oitavas de final da Copa do Brasil. O time inteiro seguiu seu capitão para abraçar o treinador. Minutos depois, perguntado sobre o gesto, Cássio respondeu: "Não vou entrar em detalhes, mas é um cara que esteve com a gente".

Como assim, não vou entrar em detalhes?

Falta sempre uma pergunta. Falha nossa, deste jornalismo que lacra mais do que apura: "O que você acha do caso, Cássio?".

A questão é pertinente, porque só se abraça quem se respeita e só se é solidário com quem se confia.

Cássio, então, confia na versão de Cuca? Foi por essa razão o abraço? Ou foi porque Cuca, até o momento do abraço, ainda era o chefe?

Apresentação de Cuca no Corinthians - Rodrigo Coca - 21.abr.23/Agência Corinthians

Enquanto a ética do boleiro se expõe aos poucos, o jornalismo sobrevive com o brilho da reportagem de Adriano Wilkson, responsável pela resposta à pergunta necessária: era verdade que a vítima não havia reconhecido Cuca como agressor?

Não, era mentira, de acordo com o depoimento do advogado Willi Egloff, que acompanhou tudo em Berna (Suíça), do crime ao julgamento.

Quem participou da defesa, em 1989, confirma o depoimento de Egloff, embora ainda haja uma questão no ar.

Há depoimentos, em Porto Alegre, de que o goleiro Chico –nome próprio, Eduardo– teria sido condenado a três anos, não aos 15 meses apontados pela reportagem do jornal bernês Der Bund. Convenhamos que há ainda essa contradição. Se havia sêmen de Cuca e de Chico, como a sentença pode ter sido de apenas 15 meses de prisão?

Quinze meses deveria ser para um roubo de celular, que, no Brasil, pode dar até quatro anos de detenção. Um estupro tem de valer 30 anos na cadeia! Ainda que a legislação dissesse que eram de seis a dez anos, continuaria sendo pouco.

O que indica que o caso segue com pontas soltas, carecendo de mais apuração.

Não é fácil apurar depois de 36 anos. Na época, a imprensa gaúcha tratou o caso com viés absolutamente machista. A revista Placar não. Cobriu em toda a sua extensão. Reportagens de Álvaro Almeida e Divino Fonseca já diziam que os quatro jogadores foram reconhecidos pela vítima, Cuca incluído.

É importante frisar que o crime ficou conhecido, nos anos 1980, como "Escândalo de Berna" e envolveu quatro homens: o meia Cuca, o goleiro Chico (Eduardo), o zagueiro Henrique e o ponta Fernando.

Chico, goleiro do Bahia semifinalista do Brasileiro de 1990 contra o Corinthians, hoje é preparador de goleiros do sub-15 do Grêmio. Trabalha com formação de adolescentes e recusa-se a dar a sua versão sobre o caso. Também se recusa a pedir desculpas.

O escândalo voltou à tona por causa da condenação de Robinho e da pergunta: se Robinho não pode trabalhar, por que Cuca pode? A única diferença é que sua punição prescreveu pela legislação suíça, local do crime, a de Robinho ainda não.

Mas, quando Cuca diz que não foi reconhecido pela vítima, é desmentido categoricamente. Também diz que não tocou na menina; e há depoimentos em Porto Alegre de que quem a tocou foi só o goleiro Chico. Como acreditar? Se Cuca mente uma vez, pode mentir todas as vezes, como na fábula do pastor mentiroso e o lobo.

Mas os jogadores acreditam em seu agora ex-chefe piamente, a ponto de correrem para lhe oferecer um abraço público, em meio à maior crise institucional recente do Corinthians.

O debate nos ajuda a pensar no machismo nosso de cada dia.

Post da 'Braba'1 Tamires em seu Twitter
Post de Tamires, jogadora do Corinthians, sobre o 'caso Cuca' - @tamires no Twitter

É preciso olhar no espelho e tentar melhorar, a cada manhã. Também faz pensar em jornalismo e na ética do boleiro.

Informação é a coisa mais moderna deste mundo. Informação como o endereço do e-mail do advogado da vítima, que desmentiu a versão de Cuca.

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