Raquel Landim

Jornalista especializada em economia, é autora de ‘Why Not’, sobre delação dos irmãos Batista e a história da JBS.

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Raquel Landim
Descrição de chapéu

O empurra-empurra que fez desabar o prédio em São Paulo

Políticos dizem se solidarizar com desabrigados, mas a impressão que suas falas passam é de que a culpa é das vítimas

Toda vez que acontece uma tragédia no Brasil é a mesma ladainha. Começa um jogo de empurra-empurra entre as autoridades e parece que a coisa aconteceu por alguma força sobrenatural. Infelizmente não vem sendo diferente com o desabamento de um prédio no centro de São Paulo, na madrugada desta terça-feira (1º), que vinha sendo ocupado por sem-teto.

O prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), disse que a “prefeitura não podia ser acusada de se furtar à responsabilidade (de dar assistência às pessoas que viviam no prédio)” e que “só neste ano fez seis reuniões com os moradores alertando dos riscos”.

Seu antecessor, João Doria (PSDB), que deixou seu mandato pela metade para concorrer ao governo do Estado, foi além. Segundo o ex-prefeito, “parte desta invasão foi financiada e ocupada por uma facção criminosa” e “houve várias tentativas da prefeitura de desocupar o prédio”.

O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), chegou a afirmar que era uma “tragédia anunciada”, que “não há a menor condição de morar lá dentro”, e que a Justiça “precisa deixar de dar liminares que impeçam a desocupação” de prédios invadidos.

Já o presidente Michel Temer saiu do local do acidente às pressas e sob vaias. Só não conseguiu disfarçar que estava ali mais por um cálculo político do que por solidariedade às famílias. “Não poderia deixar de vir, sem embargo dessas manifestações, afinal estava em São Paulo e ficaria muito mal não comparecer”, disse.

Covas, Doria, França, Temer –todos os políticos afirmam se solidarizar com os desabrigados, que perderam o quase nada que possuíam, mas depois de ouvi-los falar, a impressão que dá é que a responsabilidade pela tragédia é das próprias vítimas. Parece até que essas pessoas, aliciadas por movimentos inescrupulosos, preferiam permanecer em condições insalubres e correndo risco de vida. Desculpem, mas não faz o menor sentido.

A criminalização dos movimentos sem-teto também é um jogo perigoso. É fato que os líderes do LMD (Luta por Moradia Digna), que coordenava a ocupação, até agora não explicaram os relatos de moradores que diziam pagar “aluguel” para viverem no prédio, mas isso não exime o poder público da sua responsabilidade. A carência de moradia digna no Brasil – e isso significa com energia elétrica, saneamento básico e próxima do local de trabalho – é imensa.

Até admito que a vida do gestor público não é fácil. São muitos os problemas a resolver e o orçamento é curto e engessado por despesas que já não fazem o menor sentido, mas são defendidas a todo custo pelos lobbies. Mas o ponto principal é que, se prefeitos, governadores e o Planalto utilizassem metade do tempo que dedicam para cuidar da sua imagem para efetivamente governar, a história do Brasil seria diferente. Quando acontece uma tragédia, não é hora de jogar a culpa nos outros, mas de assumir as suas faltas para evitar que aquilo ocorra novamente.

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