"Tenho recebido muitas mensagens racistas e de ódio de gente q acha q por ser indígena não tenho direito de viajar, de ter celular e de amar quem eu quiser."
O desabafo de Txai Suruí no Twitter é uma resposta à avalanche de postagens falsas e ataques até de cunho sexual que a ativista tem sido vítima nas redes sociais desde que fez o discurso de abertura da COP26, em 1º de novembro.
"Olha aí a índia brasileira que foi falar mal do Brasil lá fora", era a legenda de uma foto de uma mulher de cabelos negros e lisos numa balada, postada no Facebook como se fosse a jovem que fez uma fala histórica, em inglês, em defesa dos povos da floresta e da Amazônia na abertura da conferência da ONU sobre mudaças climáticas.
Acusações de que seria "índia falsa", "cosplay de índia", "índia de botox" e informações falsas, como a de que teria um namorado gringo, começaram a se espalhar em posts e comentários nas redes sociais e em sites apócrifos após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) declarar que a líder indígena foi a Glasgow "atacar o Brasil".
"Já prevíamos esses ataques, uma postura comum entre apoiadores do presidente diante de qualquer defensor dos povos indígenas e do meio ambiente", afirma o advogado Ramires Andrade, que presta assistência jurídica à família.
Uma equipe está monitorado as redes para rastrear os perfis e a origem das difamações. "Muitos são robotizados, mas vários ataques vêm de perfis e sites conhecidos por fazer militância pró-bolsonaro, alguns até investigados no inquérito das fakes news", explica o advogado.
"Txai não atacou o Brasil. É uma ação deliberada da máquina de ódio. Detectamos postagens racistas, misóginas e sexistas, que questionam até a identidade e a ancestralidade dela, chegando a ridicularizar os adereços indígenas."
Além de acionar civil e criminalmente os perfis identificados, as empresas responsáveis pela veiculação dos conteúdos também serão representadas para retirada do material do ar.
"Temos que combater o racismo, o preconceito e a injúria. Esse tipo de ato só promove a violência contra os povos indígenas e as mulheres", afirma Ivaneide Cardozo, 62, mãe de Txai, que é filha de Almir Suruí, 47, uma das lideranças indígenas mais críticas ao atual governo.
A família teme pela segurança da jovem quando retornar ao Brasil. "Nós estamos muito preocupados com a volta dela. Nosso medo é que aqueles que nos ameaçam de morte descontem na menina o ódio que têm da gente", diz Ivaneide, conhecida como Neidinha Suruí.
Integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais pelo trabalho à frente da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, fundada e liderada por ela, Neidinha ficou dois meses escondida no começo do ano após receber ligações com ameaças de morte por conta de denunciar invasões na Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau.
Em sua fala em Glasgow para uma audiência global, Txai lembrou a morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, 33, líder indígena e amigo assassinado em 18 de abril de 2020.
"Foi muito importante ela ter se lembrado dele na fala para o mundo inteiro", diz Neidinha.
A mãe conta que Txai viveu na aldeia Cacoal, na Terra Indígena Sete de Setembro, até os 7 anos, quando foram morar em Porto Velho (RO). Aos 24 anos, está no último ano da faculdade de direito e namora um fotógrafo paulista. "O tal gringo é de São Paulo", explica Neidinha.
Txai segue a trilha dos pais, como fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que já conta com 1.700 membros.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) lançou nota de apoio à jovem liderança, condenando a série de ataques, "o que deixa evidente a violência e o racismo estrutural com o qual lidamos diariamente nesse atual (des)governo, que vem implantando uma intensa agenda anti-indígena, além de inflar e apoiar discursos de ódio contra nós".
Após a COP, Txai vai participar de um encontro na Suécia e também recebeu convite para visitar outros países europeus. Só deverá retornar para casa no começo de dezembro.
Um lar que precisou de reforços de segurança. "Depois que vieram no escritório da nossa ONG atrás de mim, nossa casa virou uma prisão, com arame farpado e cerca elétrica", relata Neidinha, que é mãe de cinco filhos.
Além de Txai, cujo nome de batismo é Walelasoetxaige Paiter Suruí (que significa mulher inteligente, gente de verdade) e Walelasoeikingh, 21 (mulher que prever o futuro), nascidas de sua barriga, ela tem mais "três filhos do coração".
Walelasoepiliman, 23 (mulher que sabe fazer as coisas), Oyxiener, 26 (homem poderoso), e Oytxepo, 25 (homem bom), são frutos de outra relação do marido.
"Sendo uma mulher mais velha casada com um homem jovem, feminista e ativista, eu represento tudo que os bolsonaristas odeiam", resume Neidinha. Ela conta com uma rede de proteção da Escola de Ativismo, entidade que apoia ambientalistas ameaçados de morte.
"Minha mãe me disse para continuar com minha mensagem de esperança e meu pai me lembrou de que sou uma guerreira da paz", escreveu Txai, ao finalizar sua mensagem no Twitter em resposta à máquina de ódio e desinformação.
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