Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Chef paraibano sofistica a tradicional carne do sol

Premiado banqueteiro em Alagoas, Wanderson Medeiros se firma em São Paulo com restaurante que refina culinária nordestina

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São Paulo

Enquanto seu bisavô vagava pelo sertão para vender carne do sol acondicionada em mala de couro, Wanderson Medeiros fez a comida popular do Nordeste chegar com requinte à mesa do paulistano.

À frente do Canto do Picuí, o chef de cozinha paraibano de 42 anos transformou a tradicional carne do sol em prato sofisticado servido com pirão de queijo coalho em louças de cerâmica que são verdadeiras obras de arte.

A iguaria nordestina é um dos carros-chefes do menu do pequeno e charmoso restaurante inaugurado em novembro do ano passado na badalada rua Ferreira de Araújo, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.

"A carne do sol é uma comida de resistência e subsistência. Uma maneira de se consumir proteína animal e ter a carne bovina por um período maior sem estragar", explica Medeiros, conhecido pelo apelido de Picuí, nome do pássaro que dá nome ao restaurante e à sua cidade natal na Paraíba.

É o ingrediente que mais representa o Nordeste, diz o chef. Apesar do nome, a carne recebe apenas os primeiros raios do sol. "É mais a carne da lua, do vento, do sereno", pontua ele, diferenciando do charque, a carne seca, desidratada.

Diz a lenda que o a carne curada no friozinho noturno do sertão ganhou esse nome por conta de diálogos entre as sertanejas e os maridos: "Zé, já pode tirar a carne do sol!". Por isso, a grafia é do e não de sol, frisa Medeiros.

O produto hoje é maturado em salas com ar-condicionado a 16oC. "A carne fica curando ali por dois dias. Então é dessalgada. Em São Paulo, usamos uma cura um pouco mais leve."

Antes de chegar à capital paulista, o chef fazia sucesso em São Miguel dos Milagres, à frente do W Gourmet, que lhe garantiu o título de Melhor Banqueteiro de 2022 pelo Prazeres da Mesa.

"Fazemos uma comida universal com ingredientes regionais", diz ele, sobre o bufê que se tornou seu principal negócio voltado a uma clientela refinada na idílica Costa dos Corais em Alagoas.

"Atendemos noivas do Brasil e do mundo inteiro. Milagres é o destino de casamentos mais procurado do país."

A capital alagoana foi escolhida pelos pais de Medeiros para inaugurar o primeiro restaurante da família, o Picuí, em 1989. Mero e Fátima abriram a casa especializada em carne do sol em um bairro afastado.

Cinco anos depois, mudaram-se para um ponto à beira-mar. Quando o filho completou 19 anos, o pai resolveu voltar para a Paraíba e o deixou à frente do negócio em Maceió.

O herdeiro repaginou o local, foi fazer curso de cozinheiro auxiliar no Senac e faculdade de administração.

"Fui aprender a cozinhar de verdade. Eu ia para o Senac pela manhã e às 11h abria o restaurante. Trabalhava ali até 17h, descansava uma hora e ia para a faculdade. Passava madrugadas cozinhando."

Carne de sol com pirão de queijo coalho é um dos pratos principais do restaurante Canto do Picuí em São Paulo - Divulgação

O aluno aplicado costumava fotografar e catalogar os pratos criados noite adentro. Foi assim com a receita que faz sucesso até hoje no restaurante em Alagoas: carne de sol na abóbora, com a qual participou do primeiro festival gastronômico em 2002.

Quando ensaiava voos mais altos, chamou os pais de volta para cuidar do velho Picuí que já contava com uma equipe de 65 pessoas.

A estrela de chef começou a brilhar com a participação em um programa na Rede Record local, o "Feito pra Você". "O quadro de culinária era o de maior audiência no horário. Batia a Globo."

Em 2004, gravou para o tradicional quadro da apresentadora Ana Maria Braga uma receita que brilha no menu do Canto do Picuí: o sorvete de rapadura.

"Parecia impossível que um matuto de Picuí pudesse cozinhar na tevê e em festivais."

Nos congressos e eventos, o paraibano colocava o avental disposto a aprender com chefs renomados, como Claude Troisgros e Alex Atala. "Sempre estava na cozinha ajudando essa turma toda."

E presenteando muitos deles com cuscuzeiras de barro, feitas por dona Marinalva, artesã do quilombo de Muquém, em União dos Palmares (AL).

Medeiros costuma frequentar a região onde floresceu o lendário Quilombo dos Palmares, em busca de artesanato e arte popular.

Levou as cuscuzeiras para o Mesa Tendência, em 2012, e também para o Dalva e Dito, quanto assinou o cardápio do restaurante de Alex Atala por uma semana.

Depois da morte de dona Marinalva, ele continua comprando peças do marido dela, seu Leo, autor das cabeças de barro que enfeitam uma das paredes do restaurante paulistano.

"Quando ele soube que eu queria 100 cabeças para decorar o restaurante, ficou numa felicidade", relata Medeiros, que acabou encomendando 200 peças. Desde então outras 500 foram produzidas para o restaurante.

O chef costuma presenteá-las ou vendê-las a clientes que desejam levar uma lembrança. Cada peça custa R$ 100 e o dinheiro arrecadado resulta em melhorias na vida de seu Leo.

Medeiros conta com prazer a saga para decorar o novo restaurante após finalmente aceitar a proposta dos dois sócios paulistanos.

Foram várias negativas até ser convencido de que era hora de se estabelecer na capital nacional da gastronomia.

A estilista alagoana Martha Medeiros, fã do trabalho do chef em Milagres, sempre o incentivou a fincar bandeira em território paulistano.

"Picuí é um autodidata completamente apaixonado por sua arte", define a estilista. Apesar do mesmo sobrenome, Martha não é parente do jovem que, segunda ela, elevou a culinária nordestina à alta gastronomia.

Canto do Picuí

Rua Ferreira de Araújo, 329, Pinheiros, São Paulo, tel. 011 95583-7134
@cantodopicu

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