Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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É preciso civilizar o Marco Civil da Internet. Quando? Agora!

Trata-se apenas de dar consequência à Constituição e ao Código Civil

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É preciso civilizar o Marco Civil da Internet (Lei 12.965). Eis um pleonasmo legítimo. "Civis" em latim: "cidadão"; "civilis" quer dizer "digno do cidadão". E civilizado será, a despeito da mobilização truculenta das "big techs" e das mentiras sórdidas da extrema direita. A quem interessa o vale-tudo? Tento sempre evitar construções que busquem certificar a verdade com a desqualificação, por princípio, do pensamento contrário. E não posso jurar que já não o tenha feito aqui e ali, como Terêncio: "Nada do que é humano é estranho a mim..." Mas procuro evitar o procedimento.

"Só mesmo um idiota não sabe..." Bem, a partir desse ponto, o sujeito está pronto para ser um fanático do jardim da infância de alguma crença ou convicção mal assimiladas. Uma nota: isso não implica, é certo, dar piscadelas para golpistas, preconceituosos e violentos. Indagar a um fascistoide o que ele pensa sobre o regime democrático corresponde a pedir a um chefão do PCC que opine sobre a segurança pública... Um dos segredos da tolerância está, creio, em controlar apetites e paixões. Já sou velho o bastante para ter tantas certezas e não aprender com a dúvida. Mas é preciso identificar e combater o que solapa a nossa liberdade. À beira da criação de uma espécie de ente global de razão, tendente a ser infenso a qualquer controle, apelo ao sistema de garantias da sociedade aberta.

Congressistas comemoram aprovação do Marco Civil, em 2014 - Joel Rodrigues-22.abr.14/Folhapress

A Constituição brasileira não é, para repetir um poeta, "um arcano impossível de ler". Ainda que algo tenha saído torto aqui e ali, permitindo a baixa exploração de vigaristas —a exemplo do artigo 142, aquele que define o papel das Forças Armadas—, o texto, no geral, é claro e coerente. "Olhe aí, você chamou de ‘vigaristas’... Já se desdisse". Errado. Merecem essa qualificação os que se aproveitam de uma redação ruim para sustentar, no caso, que os militares exercem no país o papel de Poder Moderador. Fazê-lo corresponde a defender uma tutela, o que viola o próprio texto. O ser tolerante não dispensa a clareza.

O debate sobre a regulamentação das redes está povoado de fantasmas industriados. Ignora-se o que dispõem a Carta Magna e o Código Civil. O fato de estarmos convivendo, desde 2014, com o artigo 19 da Lei 12.965 não implica que, com o tempo, ele foi se adequando à Lei Maior. Tal disposição assegura a inimputabilidade ao "provedor de aplicações na Internet", exceto em caso de descumprimento de decisão judicial. Assim, impõe-se que se cometa o crime de desobediência para que se configure a obrigação de reparar um dano. É uma aberração.

Não estamos na esfera do direito consuetudinário. Não se trata de práticas e costumes arraigados que organizam a experiência social. Aquele troço está escrito, e as muitas vezes em que se apelou a ele para garantir a impunidade a quem provocou mal a terceiros não lhe foram imprimindo legitimidade, eficácia e aptidão para assegurar direitos. Ninguém ousou ainda criar a corrente do "lamarckismo constitucional".

A responsabilização é um dos pilares do nosso sistema legal. Ou haveriam de ser extintos os artigos 186 e 927 do Código Civil. E sobreviria o caos. O primeiro define: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". E o parágrafo único do outro é claro: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Que parte não se entendeu?

Não vou escrever: "Só mesmo um idiota não sabe que inexistem pessoas físicas e jurídicas que sejam civilmente inimputáveis". Fingir ignorar a exclusividade de que goza o tal "provedor de aplicações" —o que, ademais, viola o caput do artigo 5º da Constituição— não traduz idiotia, mas excesso de esperteza. Depois de quatro anos de maximização algorítmica da pregação golpista nas redes, do ataque às respectivas sedes dos três Poderes e de milhões de crianças expostas, sem proteção, a patógenos porque sem vacina, a patuscada sinistra da impunidade vai chegar ao fim.

Por um Marco Civil da Internet constitucional e... civilizador!

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