Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Reinaldo Azevedo

Com Lira e Aristóteles no salão, Lula realiza oito anos em oito meses

Alvíssaras! O jornalismo tem de se (re)acostumar a tratar política como... política

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lembrei aqui certa feita que as palavras "polícia" e "política" têm a mesma origem. A civilização se encarregou de distanciá-las. E sempre se está com um problema grave quando uma ocupa o lugar da outra. Chega de tratar política como um caso de polícia e também o contrário. Ficamos atolados nesse pântano entre 2014, ano de criação da Lava Jato, e 2022, quando o fascistoide foi derrotado. Alvíssaras! A queridinha de Aristóteles está de volta, ainda que meio desengonçada, a dançar com Arthur Lira no meio do salão.

Na sessão que aprovou o arcabouço fiscal, entre negociações e negaceios —é preciso resgatar certas palavras do oblívio para alfabetizar o ChatGPT—, o presidente da Câmara discursou e afirmou que a Casa tem se dedicado a todas as matérias de interesse do país. Foi quase relatorial: "Nós votamos a PEC da Transição; nós votamos o arcabouço fiscal (...); nós votamos o remanejamento (...) da Esplanada dos Ministérios; nós votamos a reforma tributária, nós votamos o Carf... Essas matérias todas em seis meses." Posso refrescar a sua memória com Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aquisição de Alimentos, novo Mais Médicos...

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e o presidente Lula (PT) em evento de posse do ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil-PA), no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e o presidente Lula (PT) em evento de posse do ministro do Turismo, Celso Sabino (União Brasil-PA), no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 3.ago.23/Reuters

Modesto, preferiu omitir a faceta social do colegiado, que ele comanda ora como um sindicalista, ora como um Marechal de Ferro, aludindo a um conterrâneo seu. Ainda respondia à sereníssima entrevista do ministro Fernando Haddad ao podcast Reconversa. O titular da Fazenda, então, fez um mero registro histórico: nunca a Câmara teve tanto poder como agora. Não vou rememorar os fricotes industriados que se seguiram à observação.

Na sessão que aprovou o novo regime fiscal, o homem mal disfarçava a exaltação do que percebe como obra sua. E emendou: "É óbvio que a Câmara tem uma maioria de líderes e deputados conservadora, liberal; então, têm matérias que vão de encontro a essas ideias que têm dificuldades no Parlamento, e o Parlamento têm feito grande esforço para atender à necessidade do país". Vamos lá.

Opunha, assim, em sua fala, um Executivo que entende progressista a essa força majoritária do Legislativo, que chamou de "conservadora, liberal", tomando os vocábulos como sinônimos. Em primeiro lugar, trata-se de coisas distintas, sem juízo demeritório sobre ambas. Em segundo lugar, a resistência à taxação de offshores ou de fundos dos super-ricos, para citar dois exemplos, apela a um outro padrão. Aí se trata de reacionarismo, com todos os seus deméritos. Os fundamentos se perverteram de tal sorte em "Banânia" que há sedizentes liberais que tentam justificar juros reais de 10% ao ano. Você pode odiar o liberalismo, mas sem-vergonhice é outra coisa.

Não busco aqui minimizar o poder do "lirismo", com suas aspirações épicas. Tampouco me alinho com aqueles que se escandalizam quando Lula abre negociação com o "Centrão". A propósito: a tal fala de Haddad nasceu de uma pergunta minha, que tinha como pressuposto a eficiência do parlamentar, com o que concordou o ministro. Ainda que isso tenha, notei eu, um custo político. Mas tudo tem. A alternativa é a porrada.

É preciso notar: o governo mudou neste 2023, mas o comando do Congresso segue aquele dos dois anos finais do mandato de Bolsonaro. E só se verifica agora tanta produtividade porque há um presidente da República empenhado em recuperar padrões mínimos de gestão para responder a iniquidades evidentes e em dotar o país de balizas contra o atraso. Diga-se tudo e qualquer coisa sobre o arcabouço fiscal e a reforma tributária, menos que apelem a experimentalismos. Se alguém está à caça de heterodoxias, vá estudar a "capitalização" da Eletrobras...

Já há quase oito meses somos impelidos a falar e a escrever sobre políticas públicas. Que coisa louca, não? Sim, o ex-Biltre Homiziado de Orlando ainda ocupa o noticiário. Mas é caso de polícia tratado como caso de polícia. Lembro-me daquele deputado que patrocinou duas PECs inconstitucionais na boca da urna para tentar reeleger o celerado. Nem liberalismo nem conservadorismo, certo? Afirmo, pois, sem medo de errar, que o governo Lula faz também de Lira uma pessoa melhor. O otimismo bem-humorado do colunista até o colocou para dançar, no mesmo parágrafo, com Aristóteles. Uma pitada de exagero para temperar a vida.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.