Câmara aprova MP da Esplanada após emparedar Lula e criticar articulação

Presidente evita derrota, mas é obrigado a ceder na recriação da Funasa; texto precisa ser aprovado no Senado

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Brasília

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (31) a MP (medida provisória) que reestrutura o governo e evitou a maior derrota do presidente Lula (PT) no Parlamento até o momento.

Por 337 votos a 125 contra (e uma abstenção), o plenário aprovou o texto que amplia para 37 o número de ministérios. A medida ainda precisa ser aprovada pelo Senado nesta quinta-feira (1º) para não perder validade.

Apesar de escapar da derrota, o governo teve que ceder no plano de tentar manter a possibilidade de extinção da Funasa. Aliados de Lula aceitaram a proposta do centrão de recriar o órgão que é alvo de cobiça de partidos para indicações políticas.

A votação ocorreu horas antes de a proposta perder a validade e pouco após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), emparedar o Planalto e disparar críticas contra a articulação política do governo.

O presidente Lula lançou suas últimas cartadas para tentar contornar a crise nesta semana, quando líderes indicaram que a MP poderia ser derrotada em plenário. O Palácio do Planalto fez promessas de acelerar a liberação de emendas e nomeações em cargos diante da pressão do centrão por mais espaço no governo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, preside a sessão para a votação da MP, relatada por Isnaldo Bulhões (de terno cinza, atrás) - Pedro Ladeira/Folhapress

Na hora da votação, o governo conseguiu consolidar maioria no plenário para manter o texto que havia sido costurado com o Congresso, e que já representa um esvaziamento de ministérios importantes para a agenda de Lula.

Mas na votação sobre o futuro da Funasa, o governo preferiu não deixar uma digital de derrota. No entanto, integrantes do Palácio do Planalto dizem que o processo para extinção do órgão já foi iniciado, com a cessão de funcionários, por exemplo. Por isso, a decisão da Câmara pode gerar um entrave.

Horas antes da votação no plenário da Câmara, o clima ainda era de risco elevado para Lula, que, diante do pior momento da relação com a Câmara, poderia sofrer um revés político histórico —o que forçaria o petista a refazer toda a estrutura do governo com apenas cinco meses de mandato.

Eventual rejeição da MP que dá a cara do governo resultaria na volta do formato da Esplanada dos Ministérios da gestão de Jair Bolsonaro (PL), com o fim de pastas como Planejamento, Desenvolvimento e Indústria, Povos Indígenas, Desenvolvimento Agrário, Transportes, Cultura e Igualdade Racial.

Líderes do centrão falaram em dar uma última chance para que o governo mude a articulação política. Nas palavras de um líder, essa é a "última gota de combustível do governo".

O Palácio do Planalto buscou nesta terça (30) e quarta dar uma resposta rápida às insatisfações do grupo liderado por Lira.

A operação do governo envolveu uma ligação telefônica de Lula para Lira logo no começo da manhã desta quarta. Na conversa, o deputado apresentou um panorama da insatisfação generalizada na Câmara e Lula fez um apelo para que se vote a MP.

Havia a expectativa de que eles se encontrassem à tarde pessoalmente. Mas, depois, o Planalto e a Câmara passaram a minimizar isso e dizer que a reunião não havia sido marcada.

Houve ainda a liberação recorde de emendas neste governo (R$ 1,7 bilhão em único dia) e a ordem no Planalto para abrir o caixa e despejar recursos para esses repasses.

Em outra frente, há a promessa de destravar nomeações de indicações políticas para cargos no segundo e terceiro escalão do governo federal.

Os gestos de Lula ainda não tinham gerado o efeito esperado pelo Planalto até o início da noite desta quarta. Mas interlocutores de Lula voltaram a fazer um apelo para que a estrutura dos ministérios fosse mantida.

Líderes do centrão mudaram de posição ao longo da noite. A avaliação foi que, se derrubasse a estrutura do Executivo, a Câmara ficaria com a imagem de atrapalhar o andamento de políticas públicas para tentar conseguir mais atenção do governo.

"Os recados vêm sendo dados dia a dia [como na votação contra decretos do Marco do Saneamento]. [...] O governo procurou entender o que estava acontecendo na Câmara dos Deputados? Não procurou entender. Preferiu ir do outro lado, ali no Senado", disse o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), em discurso no púlpito do plenário.

Em sua fala, Elmar elogiou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O petista se reuniu com deputados para tentar evitar a derrota de Lula. Emparedado em reuniões com líderes partidários, Guimarães atuou como bombeiro na crise.

Lira, mais cedo, tinha elogiado Guimarães, afirmando que ele tem atuado como um "herói bravo". "Se [o resultado da votação da MP] for positivo, todos os louros para o líder do governo José Guimarães que tem sido um herói bravo lutando para que as coisas aconteçam. Se for negativo, a culpa é do governo de uma maneira geral", afirmou Lira.

Por outro lado, cresceram as críticas contra o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo –uma ala do centrão, porém, poupa Padilha dos entraves na articulação, pois seria uma crise generalizada causada pelo governo. Mesmo alguns petistas acreditam que, dado o desgaste para a votação desta quarta, Padilha não deve durar muito no cargo.

Outro alvo da Câmara é o ministro Rui Costa (Casa Civil). A ele é atribuída a culpa por emendas e cargos travados, além de falta de traquejo político.

Aliados de Rui, no entanto, afirmam que o ministro não é responsável pela relação com o Congresso, e incorporou à Casa Civil um perfil mais técnico. A pasta nega que tenha emperrado a liberação de recursos e nomeações.

O Planalto também avalia que um embate entre Lira e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula, gerava desgaste e prejudicava a situação do petista na Câmara.

No Twitter, o senador chamou Lira de caloteiro, o acusou de desviar dinheiro e também de ter batido na ex-mulher Julyenne Lins. O presidente da Câmara mandou recado ao Planalto de que considerava inadmissíveis as declarações do senador da base de Lula e que o governo estava sendo leniente ao manter o filho dele, Renan Filho (MDB), à frente do Ministério dos Transportes.

A MP da Esplanada foi editada logo no início da administração. Ela foi aprovada por uma comissão especial na semana passada, mas o texto modificou a estrutura proposta originalmente por Lula.

Deputados desidrataram o Ministério do Meio Ambiente, comandando por Marina Silva, e retiraram de Sonia Guajajara (Povos Indígenas) a função de tratar da demarcação terras indígenas. A atribuição foi enviada para o Ministério da Justiça, de Flávio Dino (PSB).

O relatório aprovado retirou a Agência Nacional de Águas (ANA) do Meio Ambiente e a transferiu para o Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil.

O CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, também saiu do ministério chefiado por Marina para o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, chefiado por Esther Dweck.

O enfraquecimento de Marina levou Lula a instruir seus ministros para adotarem uma retórica de defesa da ministra.

Rui Costa, ministro da Casa Civil, afirmou na semana que o texto da MP estava "desalinhado" com a visão do governo; e que trabalharia para reverter as mudanças durante a votação nos plenários da Câmara e do Senado.

O que se viu nos dias seguintes, no entanto, foi um Palácio do Planalto incapaz de promover modificações na proposta. Articulares políticos passaram a admitir que não havia como recuperar as derrotas sofridas na área ambiental, sob pena de a MP perder a validade e toda a estrutura ministerial desenhada por Lula ser descartada.

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