Lula recebe Lira no Alvorada após operação da PF e crise na articulação política

Presidente da Câmara criticou postura do governo e pediu mais espaço para centrão nos ministérios

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Brasília

O presidente Lula (PT) recebeu nesta segunda-feira (5) o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), para um café da manhã, após dias de embates entre o Planalto e o comanda da Casa Legislativa, com críticas à articulação e pedido de uma reforma ministerial para contemplar partidos de centro.

A conversa no Palácio da Alvorada ocorreu também em um momento de tensão para Lira, com uma investigação da Polícia Federal que atingiu seus aliados.

Depois da reunião, o parlamentar criticou declaração recente do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse que a Câmara ficou "sub-representada" na atual montagem da Esplanada dos Ministérios e afirmou que as dificuldades enfrentadas pelo Planalto na semana passada foram "um bom recado".

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Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, durante encontro no Planalto em janeiro - Gabriela Biló - 11.jan.2023/Folhapress

O encontro não constava na agenda oficial do mandatário. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), alvo das críticas de Lira, não participou.

Lira afirmou que recebeu um telefonema de Lula no dia anterior, convidando-o para o café da manhã. Eles trataram, segundo o deputado relatou CNN Brasil, de uma "arrumação mais efetiva da base do governo na Câmara e no Senado". E acrescentou que o governo começa a se organizar nesta semana.

"Eu penso que o presidente está se movimentando e é importante que ele se movimente em detrimento de tudo que se tem dito, das dificuldades da articulação e as críticas que são feitas. O governo tem hoje uma noção exata de quais são essas dificuldades para que a gente possa ter um encaminhamento que as matérias possam ser discutidas com tranquilidade", afirmou Lira.

Na entrevista, Lira mirou em Rui Costa —ministro que, junto a Padilha, tem sofrido críticas de parlamentares.

O presidente da Câmara se referiu a uma fala de Rui na sexta (2). Em evento na Bahia, o ministro classificou Brasília de ilha da fantasia e bolha ilusória. "Brasília é difícil. É difícil porque lá fazer o certo, para muitos, está errado. E fazer o errado, para muitos, é que é o certo na cabeça deles."

Lira reagiu, pedindo comedimento de ministros que são da cota pessoal de Lula, como é o caso de Rui.

"Mas há de se ter um comedimento por parte desses ministros, principalmente com declarações. Um dos ministros da articulação fez uma declaração sobre Brasília neste final de semana que causou muito rebuliço em partidos da esquerda à direita. Essas coisas não ajudam, e o governo saberá tomar um rumo, uma decisão do que tem que fazer", afirmou.

Em outro trecho na entrevista, Lira disse que a Câmara ficou sub-representada no ministério de Lula. Segundo ele, o presidente montou a Esplanada para atender, principalmente, ex-governadores que foram eleitos para o Senado.

"Tentando ali ocupar talvez numa capacidade mais administrativa da experiência de cada um. Mas fato é que a Câmara ficou nessa situação sub-representada. Ou representada por decisões que não pertenceram diretamente aos partidos", disse Lira.

"Se o governo escolheu essa maneira, lógico, ele vai ter como mudar o rumo dessas escolhas e equilibrar esse jogo para que ele tenha maior conforto", seguiu o parlamentar.

Lira negou ainda que tenha tratado com Lula de mudanças nos ministérios ou da liberação de emendas. "O presidente sequer aventou sobre essa possibilidade. Eu não tratei de ministérios, não tratei de liberação de emendas nem liberação de espaços."

Ele classificou de "bom recado" as dificuldades sofridas pelo Planalto na Câmara na semana passada —quando a medida provisória que reestrutura a Esplanada só foi aprovada na véspera de perder a validade e em meio a ameaças de derrota.

"Penso que o alerta que foi feito, as dificuldades que houve na semana passada, foram um bom recado para que o governo possa recompor o seu rumo", declarou Lira.

Ainda na entrevista pós-reunião com Lula, o deputado voltou a dizer que o presidente da Câmara age como um facilitador das matérias e ressaltou que o Congresso eleito em 2022 não é progressista, mas conservador.

"O Congresso Nacional não é um Congresso que foi eleito progressista de esquerda. É um Congresso reformador, liberal conservador, que tem posicionamentos próprios. Nós sabemos hoje que a dinâmica é outra, a realidade de um Congresso de hoje não é igual à de um Congresso de 20 anos atrás", disse.

O parlamentar afirmou ainda que nenhum partido deve se sentir obrigado a votar em matérias do governo sem integrar a base de apoio —e sinalizou que, ao se tratar da relação da Câmara com o Executivo, o "combustível está acabando".

Na noite desta segunda, em palestra para empresários promovida pelo grupo Esfera em São Paulo, Lira afirmou que a conversa pela manhã foi solicitada por Lula e foi amistosa. Ele disse que o governo "começou a fazer um esforço para construir sua base" e que "a Câmara está esperando que o governo se posicione".

Segundo o presidente da Câmara, essa não é uma tarefa sua, mas dos líderes e ministros do Planalto. Ele disse ainda que a Casa contribui para que o governo tenha a oportunidade de formar a base.

Ele também disse ter o compromisso de pautar a reforma tributária antes do recesso parlamentar, em julho. Lira cobrou que todo o governo se engaje na aprovação da reforma e disse não ter a ousadia de afirmar que garante a aprovação do texto. O presidente da Câmara mencionou especialmente que o Ministério da Fazenda será "solicitado para sentar à mesa e fazer acordos".

Líderes de partidos na Câmara que votaram a favor da medida provisória da reestruturação da Esplanada chegaram a ser chamados para uma reunião com Lula na tarde de segunda. O objetivo dele seria se aproximar das bancadas, tendo como pretexto agradecer pela votação da semana anterior. O encontro com deputados, no entanto, foi desmarcado.

Segundo membros do governo, a reunião foi adiada por conflitos na agenda de Lula, que tinha entre seus compromissos dois eventos no Planalto. Líderes ouvidos pela Folha, no entanto, alegam que ainda não há clima para que essa conversa aconteça no momento.

Um encontro similar previsto entre Lula e senadores aliados foi mantido.

A reunião desta segunda entre Lira e Lula ocorreu também dias após a PF ter cumprido mandados de prisão e de busca e apreensão em Alagoas contra aliados do presidente da Câmara, em uma investigação sobre desvios em contratos para a compra de kits de robótica com dinheiro do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

O caso teve origem em reportagem da Folha publicada em abril do ano passado sobre as aquisições em municípios alagoanos, todas assinadas com uma mesma empresa pertencente a aliados de Lira.

Quase seis meses após tomar posse, Lula assistiu nos últimos dias à demonstração mais contundente de insatisfação da Câmara com o governo e correu o risco de ver boa parte do desenho que fez para os seus ministérios ser apagada.

O Palácio do Planalto sabe que hoje não tem votos suficientes para aprovar medidas de interesse sem a influência do presidente da Câmara. Segundo Lira e o próprio Lula, o Planalto tem asseguradas cerca de 130 de 513 cadeiras no plenário —embora a base com partidos que integram o governo seja maior.

De agora em diante, avaliam deputados, Lula terá de agir para reparar as arestas em sua articulação política e dar celeridade à liberação de emendas e nomeações de cargos regionais, sob pena de sofrer mais derrotas na Casa.

Para além disso, um pedido recorrente de parlamentares é por prestígio e para que Lira seja mais empoderado.

Isso significa também abrir espaço na máquina federal para outras legendas, como PP, Republicanos e até o PL, que apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 —alguns no primeiro, outros no segundo escalão.

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