Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Glândula de cola em sapo brasileiro fortalece união entre macho e fêmea no acasalamento

Pesquisadores do Instituto Butantan estudaram o sapo-bola

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Sapo é um bicho profundamente injustiçado. A sapofobia (definida aqui de forma ampla, abrangendo tanto os sapos propriamente ditos quanto as rãs e pererecas) é igual a todas as demais formas de preconceito: aquela mistura de ignorância com reação instintiva, dificílima de mudar e altamente nociva para criaturas inocentes.

Basta um olhar ligeiramente mais cuidadoso, porém, para que seja possível ir além das aparências. Pense no muco que recobre a pele de muitas espécies desse grupo de anfíbios, por exemplo. Os preconceituosos logo soltarão interjeições de asco ou falarão do veneno secretado por alguns dos bichos como proteção contra predadores. Mas o fato é que a pele desses animais abriga algumas das mais sofisticadas usinas bioquímicas do planeta. E, em certas espécies, essas usinas têm uma função eminentemente romântica. São especialistas em produzir uma "cola do amor", digamos.

Dois sapos, um sobre o outro
Casal de Dermatonotus muelleri acasalando - iScience

Um desses exemplos acaba de ser elucidado por pesquisadores do Instituto Butantan, que estudaram a tremenda complexidade glandular que se esconde na pele do chamado sapo-bola (Dermatonotus muelleri). (Digo "chamado" porque, a rigor, por pertencer à família dos microhilídeos, o bicho estaria mais para uma rã, mas as designações populares não costumam ser muito amigas do rigor científico.)

Pelo menos num ponto, de qualquer modo, o nome usado pelo vulgo acerta em cheio: o sapo-bola é realmente uma bolinha, formato que provavelmente é uma adaptação para a vida fossorial (em tocas no subsolo) nas áreas de caatinga e cerrado que o bicho habita. Sua pele produz um copioso muco que, já se sabia, está repleto de potentes substâncias de defesa. Tanto é assim que quem coleta exemplares do bicho na natureza evita colocá-lo em contato próximo com outras espécies de anfíbios, porque o veneno pode acabar matando os outros animais.

A equipe do Butantan, liderada pelo biólogo Carlos Jared, fez uma análise detalhada das glândulas da pele da espécie, identificando estruturas especializadas na produção de muco e de veneno. Mas o novo estudo do grupo, publicado no periódico iScience, revelou ainda a presença de um terceiro tipo de glândula, responsável por produzir uma série de substâncias com propriedades adesivas. As estruturas só aparecem no peito, na parte inferior das patas da frente e nas "costas da mão" dos machos da espécie.

A existência dessas glândulas ajuda a elucidar um enigma amoroso. Para acasalar, macho e fêmea entram n’água e o parceiro abraça a amada por cima dela, colocando as patas da frente debaixo do sovaco da parceira e fertilizando seus ovos conforme ela vai expelindo os ditos cujos da cloaca. Agora, imagine duas bolas viscosas tentando ficar juntinhas desse jeito num meio líquido. Missão quase impossível —se não fosse pelas glândulas especializadas dos machos.

"É praticamente inviável fazer com que eles desgrudem, você acabaria arrancando a pele fora", contou Jared a este colunista. Parece uma inconveniência daquelas, mas a persistência do grude ajuda o casal a completar várias sessões de fertilização dos ovos, gerando, portanto, uma boa quantidade de filhotes. Há indícios de que as glândulas também produzem uma molécula que, no tempo certo, vai dissolvendo a cola.

Para Jared, o estudo pode até acabar tendo implicações intrigantes para a tecnologia médica. As substâncias produzidas pelas glândulas dos machos poderiam ser usadas, por exemplo, em colas cirúrgicas, facilitando a cicatrização de cortes profundos. Não custa lembrar que a biodiversidade ainda é a principal inspiração para fármacos inovadores mundo afora.

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