Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Como punição por doping mudou a história de promessa da seleção feminina

Kerolin ficou proibida de jogar por dois anos após exame acusar substância proibida

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Aos 19 anos, Kerolin vivia a expectativa de realizar seu maior sonho: disputar uma Copa do Mundo representando a seleção brasileira. Ela estava na Granja Comary participando dos treinos em janeiro de 2019, o ano do Mundial, quando recebeu a ligação que mudou sua vida.

"Seu exame antidoping deu positivo", dizia a então treinadora da atleta no Palmeiras, Ana Lúcia Gonçalves. O pesadelo estava só começando.

Ela tinha vivido um dos melhores anos da sua curta carreira no futebol em 2018. O técnico da seleção na época, Vadão, havia colocado Kerolin na pré-lista da Copa do Mundo. E de repente, uma avalanche de notícias ruins: o exame positivo, a punição (dois anos fora do futebol), o fim do sonho de ir para o Mundial na França.

Kerolin em ação contra a Finlândia durante o Torneio da França, em fevereiro
Kerolin em ação contra a Finlândia durante o Torneio da França, em fevereiro - Sameer Al-Doumy - 22.fev.2022/AFP

A menina do interior de São Paulo que aprendeu a driblar "brincando" com um pitbull no quintal não imaginava que a vida lhe apresentaria obstáculos muito maiores para serem superados. O pitbull da infância era real, mas esse era muito mais aterrorizante. Dois anos sem jogar, dois anos sem driblar, sem fazer o que mais gostava.

Até hoje, Kerolin afirma não saber onde estava a substância proibida que ingeriu. Ela foi punida por uso de GW1516 (hormônio modulador) e probenecida (diurético). Na época (2018), o futebol feminino não era profissional na maioria dos clubes e não havia um acompanhamento mais rígido com as atletas para orientá-las sobre substâncias proibidas.

Atleta do Palmeiras em 2019, Kerolin não pôde atuar e ficou treinando separadamente. O clube seguiu pagando seu salário e tentou recorrer para amenizar a punição, mas sem sucesso. Chegou 2020, e a atacante veloz, dribladora e promessa da seleção brasileira ficou sem clube. Faltava ainda um ano para o fim da punição.

Foi difícil manter o foco. Kerolin buscou cursos de marketing digital e outras coisas para ocupar a mente. Mas aí veio a pandemia do coronavírus e as dificuldades financeiras da família aumentaram. As crises de ansiedade ficaram frequentes.

"Eu sempre ajudei minha família, mas sem jogar, não conseguia mais. A gente começou a ter muita dificuldade. Às vezes não tinha o que comer. Cheguei a pedir dinheiro emprestado para pagar quando eu voltasse a jogar. Tinha crise de ansiedade, não conseguia dormir", contou.

A psicóloga da seleção brasileira ajudou Kerolin a superar as crises e seguir firme no propósito de voltar a jogar. A punição acabaria em março de 2021 (para jogos oficiais), mas a regra permitia que ela voltasse a treinar três meses antes disso. E ainda em dezembro de 2020 veio a chance da redenção. A técnica Pia Sundhage incluiu Kerolin numa convocação para treinos na Granja Comary no mês seguinte. "Ouvi muitas coisas boas sobre ela", justificou a técnica.

Foi uma explosão de felicidade. Mas quando entrou nas redes sociais, Kerolin viu um massacre de críticas. Ninguém entendia por que a técnica da seleção estava convocando uma jogadora que não estava em atividade. A resposta dela foi correr.

"Eu sabia que estaria sem ritmo de jogo. Mentalizei que eu precisava correr o máximo que eu pudesse". Deu certo. A atleta chamou a atenção pelo desempenho nos testes físicos e, desde então, não saiu mais das convocações. "Ali eu entendi que a cabeça te leva a lugares que você não imagina."

Hoje, Kerolin é uma das principais jogadoras do time de Pia, estreou recentemente no North Carolina Courage nos Estados Unidos, e vive a expectativa de conquistar a primeira estrela para o Brasil.

Mas o episódio do doping trouxe lições. "Hoje, se eu estou num restaurante bebendo uma água e eu vou ao banheiro e o copo fica na mesa, quando eu volto, eu não tomo mais aquela água. Não porque não confio nas pessoas ali, mas porque eu sei o que passei".

Esse "pitbull" também ficou para trás. Os dribles agora são outros – ainda bem.

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