Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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História de Vinicius Junior é exemplo de quando críticas viram desrespeito

Risada de apelidos como "Neguebinha" pode vir às custas de muita dor

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O protagonismo de Vinicius Junior nesta edição da Champions League fez com que muitos lembrassem um episódio marcante na vida do jogador: a fase do "Neguebinha".

No futebol brasileiro, a gente tem mania de imediatismo. Aí um menino de grande potencial surge na base do Flamengo, é vendido para o Real Madrid por 45 milhões de euros antes de estrear no profissional (aos 17 anos) e, quando ele oscila nas primeiras oportunidades que tem em campo, vira motivo de piada.

E o futebol é tão cruel que a "piada" com Vinicius ainda atingia outro jogador. Negueba foi outro atleta revelado na base do Flamengo, que surgiu em 2010 como grande promessa, mas não correspondeu às expectativas criadas. Ele sofreu com lesões e hoje está no Criciúma.

Vinicius, também um jogador negro, atacante de velocidade que chegou ao profissional já vendido para o Real como promessa, ganhou o "apelido" dos torcedores rivais. Chamá-lo de "Neguebinha" era uma forma de dizer que Vini seria mais um a frustrar as expectativas rubro-negras.

Vinicius Junior, quando surgiu, foi chamado de "Neguebinha" - Divulgação - 29.abr.18/Flamengo

A "piada" repercutia também na mídia. E a gente às vezes perde a noção do poder das palavras e do impacto que essas "brincadeiras" podem ter na vida de um jogador. Hoje, Vinicius já não se preocupa com isso porque calou os críticos. Mas ele não esquece o que passou.

Sorte a nossa que encontrou força para lidar com isso e responder dentro de campo, sendo decisivo para o Real Madrid com 22 gols e 20 assistências na temporada –e vai saber o que vai fazer pelo Brasil na Copa do Mundo. Alguém duvida? Hoje, acho que não, né?

Por ser um fenômeno que arrasta multidões e movimenta bilhões, o futebol às vezes nos faz esquecer que é feito de seres humanos. As críticas, claro, fazem parte, mas tenho refletido cada vez mais sobre como podemos ser mais justos e respeitosos na cobertura esportiva. Porque temos a opção de deixar as "piadas" com os torcedores ou repercutir e rir delas junto com eles.

Um texto recente do brilhante ex-jogador Alex (hoje técnico do sub-20 do São Paulo) no The Players Tribune cita quanto ser chamado de "Alexotan" ao longo da carreira o afetou.

"Tudo bem discutir as minhas características de jogador, maneiras de eu ser mais participativo em campo, menos irregular. Mas raramente a proposta era essa. A intenção era fazer graça, detonar. E não vou mentir: era pesado pra mim, pesadíssimo."

Alex teve de aprender sozinho a lidar com essas "piadas". Na formação, os clubes não costumam oferecer um suporte aos jovens para lidar com essa pressão. Com quem eles vão falar no alojamento sobre suas frustrações? "Com as paredes", escreveu Alex.

Ouvi recentemente um depoimento do Pedrinho, ex-jogador e hoje comentarista do Grupo Globo, sobre como o apelido que deram a ele, "Podrinho", por causa de suas frequentes lesões, contribuiu para que desenvolvesse depressão e passasse por um dos momentos mais difíceis da sua vida.

"Eu ficava trancado no banheiro chorando sem conseguir sair de lá. Cheguei a me perguntar se eu tinha mesmo sangue podre", contou.

Chacota não é crítica, é falta de respeito. Já é pesado quando vem da torcida e é pior quando é chancelada por nós, da imprensa.

Pode começar na arquibancada, mas normalmente não fica só nela. Gera risadas em programas esportivos, vira editorial de jornal.

Alex Roberto, ex-Muralha. Hugo Peteca. Andreas Peneira. Rodrinkinho. André Balada. Aedes Egídio. Maurício Erramos. Douglas Barriga de Cadela. Zinho Enceradeira. Cachaçares.

Eu já ri de muitos desses apelidos –mas hoje entendo que, no trabalho do dia a dia, o respeito precisa prevalecer. A nossa risada pode vir às custas de muita dor, que a gente nem imagina, do que esses jogadores passaram.

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