Peço licença para abrir uma exceção. O assassinato brutal da vereadora Marielle Franco não permite que ocupe esse espaço com humor.
Marielle fez várias denúncias corajosas ao longo de sua vida. Dias antes de morrer, ergueu a voz contra assassinatos e intimidações na favela de Acari. Reunia acusações de moradores da Vila Kennedy contra a ação da prefeitura que demoliu quiosques em uma praça. São dois exemplos recentes.
Mas também tinha outro talento transformador: irradiava autoestima para negros, para mulheres, para favelados, mais especificamente para mulheres negras faveladas.
Essa combinação de coragem para denunciar e autoestima para mudar é, de longe, mais eficiente do que uma intervenção federal na segurança.
Sua trajetória pessoal é exemplo disso. Moradora do Complexo da Maré, perdeu uma amiga vítima de bala perdida. Foi mãe aos 19 anos.
"Imagine a perspectiva de uma mulher negra, favelada, mãe adolescente e casada, com uma relação que não era das melhores. O estigma era que eu iria ser mulher de bandido ou cometer delitos. Mas, no final, o que a Luyara me dá é uma estrutura, um sentido de que eu deveria ir estudar e conseguir sustentá-la e criá-la de uma maneira melhor", afirmou Marielle ao Jornal da PUC.
O Pré-Vestibular Comunitário da Maré a levou à PUC-Rio. Trabalhou em dois períodos, cuidou da filha e se formou em Ciências Sociais. Fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, com 46.502 votos.
Votei nela com orgulho e esperança.
A vida de Marielle inspira os moradores da Maré muito mais do que os soldados que passam por ali, vão e voltam. Nenhuma intervenção militar provoca mudanças tão estruturais na periferias quanto o trabalho e a trajetória de Marielle.
É preciso renovar a política com vozes da periferia, com ideias como a que Marielle destacou em seu site. "Acredito que ocupar a política é fundamental para reduzir as desigualdades que nos cercam".
As ideias de Marielle não podem morrer.
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