Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra

Como entrei para os Ególatras Anônimos

A corajosa confissão de um radical de si

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Olá, meu nome é D. Y. Kasakonov, tenho 63 anos e sou viciado em mim.

Estou há duas horas sem falar de mim. Na verdade, estava.

Vim participar dessa reunião dos Ególatras Anônimos porque reconheço que sou um dependente de mim. E resolvi não me abandonar. Eu não largo a mão de mim.

Muito se fala do crescimento da extrema direita em todo o mundo. Mas tenho visto pouca reflexão sobre os indivíduos extremo-centrados.

Os radicais de si são viciados em espalhar suas autoimagens pelas redes sociais. Assim como Narciso no leito do rio, permanecemos mesmerizados diante de nossas imagens nas telas dos celulares.

É uma postura intransigente. Mesmo quando morre um grande artista, o radical de si não tem o impulso de pesquisar sobre as revoluções culturais, comportamentais e artísticas realizadas por aquela pessoa para prestar uma homenagem. Não tem ganas de buscar uma foto do artista com o cabelo pintado, com aquela roupa marcante ou naquele show antológico. Não. Para o radical de si, só vale a homenagem se houver uma foto de si junto com o artista. A legenda geralmente é "Descanse em paz", com um coração ao lado.

Sobre um fundo violeta há uma silhueta borrada segurando um espelho rosa, nesse espelho está refletido um emoji sorrindo com um sorriso maroto.
Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 25 de maio de 2023 - Débora Gonzales

Campanhas contra o racismo? Contra a homofobia? O radical de si permanece inflexível. Só vale o engajamento se houver uma foto com a vítima. De preferência num jantar elegante, numa praia paradisíaca ou no ambiente preferido: desfrutando de sua intimidade.

(Devo registrar aqui que, para esses casos, as novas gerações de radicaizinhos de si já deram um jeito. Não tem foto? Grava um react. Eu ainda sou old school).

Mas não é só nas redes sociais. O critério para escolher um homenageado é perceber o quanto essa pessoa aprendeu comigo. Lugares bons são aqueles que eu visitei. Amizades verdadeiras são aquelas que me veem como um exemplo.

Quando estive com Lula, em junho de 2022, tiramos algumas fotos e depois ele me perguntou: "Companheiro, estou andando o Brasil inteiro para entender o crescimento do bolsonarismo. Por onde passo, ouço as pessoas. O que você acha que está acontecendo? Qual sua análise?". Não tive dúvidas e respondi na lata: "Lula, eu venho te avisando há anos sobre o crescimento da extrema direita…".

Pois é. Estou aqui nesta reunião dos Ególatras Anônimos envergonhado de mim mesmo. Como um pavão que esconde a cara num buraco mas continua exibindo sua cauda aberta. Pra finalizar, tenho uma sugestão: já que estou fazendo essa autocrítica tão linda, tão sincera, será que precisamos mesmo nos manter no anonimato?

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