Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

No colégio, onde aprendi lições erradas, os padres nunca tentaram me batizar

Estou convencido de que eles concluíram que não valia a pena desperdiçar um sacramento com este selvagem

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Não é que eu tivesse dificuldade em aprender lições, o problema é que eu tinha muita facilidade em aprender as lições erradas. No colégio, os padres nunca tentaram me batizar.

Durante anos, acreditei que se tratava de mais uma prova da celebrada bondade dos franciscanos, manifestando respeito pela liberdade de um aluno ateu. Cada vez mais estou convencido de que eles discutiram o meu caso no seminário e concluíram que não valia a pena desperdiçar um sacramento com este selvagem.

Ilustração de pessoa agachada embaixo de uma janela e olhando para ela. Há um vaso de plantas e um livro perto dela
Luiza Pannunzio/Folhapress

Todas as semanas havia um incidente, quase sempre na aula de moral, que demonstrava que eles tinham razão. Uma vez, o padre contou a história do corvo e da centopeia. O corvo tinha fome, mas a centopeia era esquiva e ele não conseguia apanhá-la. E então, ele engendrou um esquema muito simples para caçá-la. Perguntou: “Qual é a pata que você mexe primeiro, para começar a andar?”. A centopeia paralisou e o corvo a engoliu.

Meus colegas avançaram com excelentes interpretações da história: não sabemos explicar o que fazemos por instinto; uma coisa é a técnica, outra é o discurso sobre a técnica; uma pergunta é a arma mais poderosa.

Até que chegou a minha vez de dizer o que eu achava que a história significava. Eu disse: às vezes, alguém finge interessar-se por nós, mas apenas porque nos quer comer.

O padre mudou de assunto. Contou outra história. O vento e o Sol discutiam sobre qual deles seria o mais forte. Passou um viajante e eles decidiram que o mais forte seria aquele que conseguisse arrancar-lhe o manto. O vento foi o primeiro a tentar. Soprou com toda a força mas, quanto mais o vento soprava, mais o viajante se agarrava ao manto. A seguir foi a vez do Sol. Começou a brilhar, primeiro com suavidade, depois com mais fulgor. Ficou cada vez mais calor, e então o viajante tirou o manto e deitou-se à sombra de uma árvore.

Os meus colegas: a astúcia pode mais do que a força. Eu: é mais fácil convencer alguém a tirar a roupa para nós se formos uma estrela. O padre deu a aula por terminada. Na semana seguinte, já não veio.

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