A grande escritora portuguesa Hélia Correia teria dito que achava o futebol um desperdício de sentimentos, e eu sempre estranhei que uma pessoa famosa pela sua sensibilidade fosse insensível a um fato evidente: não há nada inútil nas emoções que o futebol provoca.
Como disse um torcedor do Vasco da Gama chamado Carlos Drummond de Andrade, o futebol faz com que a gente sinta “o ardor infantil no peito maduro”.
Foi a isso que todo o mundo agradeceu nesta semana. Não há nada negligenciável naquela alegria tão intensa. O futebol oferece alegria e, como se isso não bastasse, ainda dá, a milhões de pessoas, talvez a única oportunidade que têm de dizer em toda a vida: eu ganhei.
Nós lemos romances, ouvimos sinfonias, vimos catedrais, mas não ficamos menos emocionados com aquele momento em que um garoto argentino, jogando pelo Barcelona na casa do Real Madrid, depois de ultrapassar o goleiro, esperou uns segundos para que um zagueiro chegasse, de modo a que pudesse desfeiteá-lo também, antes de fazer o gol.
Era um jogo entre duas das maiores equipes do mundo e, no entanto, de repente, a ação decorria nas ruas de Buenos Aires. Estavam lá 21 jogadores profissionais de futebol e um garoto malandro. Era isso mesmo: malandragem. Ou, dito de outro modo, futebol.
A ideia de driblar, de ser mais esperto que o outro, de deixar bem clara a superioridade da nossa esperteza submetendo o adversário a uma pequena humilhação. É injusto que a malícia tenha tão má reputação.
Amar todo mundo é não amar ninguém, diz o misantropo de Molière. Isso mesmo. E tratar bem todo mundo não premia quem de fato merece ser bem tratado.
O jogo de Maradona era sempre uma demonstração de absolutamente justificada malandragem. Um Davi anafado de 1,65 metro contra os Golias mais brutos do campeonato italiano, espanhol e da Copa do Mundo.
A seu favor só tinha substantivos abstratos: a habilidade, a agilidade, a fantasia. Contra a violência, a imaginação. E, às vezes, um gol com a mão, que isto não pode ser só poesia.
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