Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Ridendo castigat Moro

Se um polícia for bandido, a Justiça passa a ser uma disputa entre bandidos

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Vamos imaginar que Brasil e Argentina estão na final da Copa do Mundo. O Brasil ganha, vencendo o Império do Mal. Meses mais tarde, descobre-se que o juiz da partida, em segredo, deu conselhos ao técnico do Brasil sobre a melhor estratégia para ganhar o jogo.

De repente fica claro que o juiz, que todo o mundo pensava que era um italiano imparcial, apesar do sobrenome afinal era brasileiro, e torcia secretamente para o Brasil.

Mesmo o adversário sendo a Argentina, creio que ninguém duvida de que talvez isso não esteja certo. E, infelizmente, é uma vergonha para o Brasil. Nem a própria Fifa deixaria de achar que alguma coisa aqui não cheirava bem. E eles são conhecidos por ter péssimo olfato, lá na Fifa. Felizmente, nada parecido com isso se passou. Deus nos livre.

Vamos imaginar que o Super-Homem cometia ilegalidades para capturar gente que cometia ilegalidades. Talvez as histórias de quadrinhos não fossem tão entusiasmantes.

É possível que nenhum menino dissesse: “Este vigarista sem princípios é o meu herói. Quando for grande quero ser como este viciador do sistema judicial”. Há uma razão para isso. É que a gente espera que um bandido seja bandido, não espera que o mocinho seja também.

Se um bandido não for bandido, está a desempenhar mal a sua profissão. Mas se um polícia for bandido, a Justiça passa a ser uma disputa entre bandidos. Esse não é o modo como a Justiça funciona numa sociedade democrática e livre, é como ela funciona no pátio da prisão.

Logo no início de “Jacques, o Fatalista”, Jacques conta ao seu amo como uma vez, no campo de batalha, levou um tiro no joelho. São terríveis, as dores no joelho, explica ele, mas o amo não parece convencido e desdenha do sofrimento do seu criado.

Acontece que, exatamente nessa altura, o cavalo do amo escoiceia, projeta-o, ele cai, bate com o joelho numa rocha pontiaguda e começa a gritar: “Ai, que eu morro!”. Só a ação pedagógica de uma pedra é capaz de o fazer compreender a dor do outro.

Mais uma vez se comprova o celebrado caráter intemporal dos romances clássicos, porque a história é sobre dores no joelho mas também tem graça se for sobre vazamento de comunicações privadas nos mídia: a gente só se queixa quando são as nossas. 

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