Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Eu não não estudei em Harvard, diferentemente de Gates e Zuckerberg

Para obter a glória de ter desprezado a prestigiosa instituição é preciso ser admitido, olhar em volta e sair

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Juntem-se aqui, jovens, e deixem-me contar-vos histórias de antigamente. Ainda me lembro. As pessoas formavam-se em Harvard e era um orgulho para elas. "Eu formei-me em Harvard." Ou então era um orgulho alheio. "A minha filha formou-se em Harvard."

O orgulho era tão grande que saltava gerações. Era um cartão de visita importante, uma prova de capacidade, um certificado de inteligência. Estudar em Harvard dotava o aluno de uma qualidade adicional. Talvez ele tivesse estudado pelos mesmos livros que nós, mas tinha-os estudado em Harvard. Era diferente, e não era difícil prová-lo: muitos prêmios Nobel, prêmios Pulitzer, presidentes, juízes do supremo tribunal se tinham formado em Harvard.

desenho de uma carteira escolar e, abaixo, a palavra "fim"
Luiza Pannunzio/Folhapress

Hoje, como sabem, é muito diferente. Depois de Bill Gates e Mark Zuckerberg terem abandonado os seus cursos em Harvard, o mais prestigiante é não ter estudado em Harvard. Todos os dias se ouve dizer, com admiração, que alguém desistiu de Harvard, como fizeram aqueles dois grandes milionários.

Harvard deixou de ser uma instituição de ensino que dota os seus alunos dos mais sólidos conhecimentos e dos mais amplos horizontes para passar a ser um campo de concentração que constrange o espírito e a criatividade das pessoas se elas não escaparem a tempo.

Comecei por ficar contente com esta evolução, que reputei de democrática: se o prestígio era conferido por não se ter estudado em Harvard, o prestígio estaria acessível a muito mais gente.

A mim, por exemplo —que, tal como Zuckerberg e Gates, tive a habilidade, o mérito e a inteligência de não estudar em Harvard.

Rapidamente percebi, no entanto, que as coisas não são assim tão simples. Para obter a glória de não ter estudado em Harvard, não basta não ter estudado em Harvard: há que ser admitido em Harvard, olhar em volta e sair. É preciso entrar em Harvard, desprezar Harvard e abandonar Harvard.

Não estudar em Harvard não é tão fácil como parece. Ou seja, o prestígio não ficou mais perto de mim, ficou mais longe. Neste momento, na escala de prestígio, estão, em primeiro lugar, as pessoas que não estudaram em Harvard; em segundo, as pessoas que estudaram em Harvard; e em terceiro, eu. Que não não estudei em Harvard.

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