Quando certas pessoas, manifestando algum tipo de perturbação, dizem ouvir vozes na sua cabeça, eu lembro sempre que a cabeça é o melhor lugar para ouvir vozes. Ouvir vozes num pé, isso sim, seria motivo de justificada preocupação e provável internação numa instituição de saúde.
Do mesmo modo, quando o presidente Bolsonaro manda jornalistas calarem a boca, eu sinto-me tentado a recordar que a boca é a única coisa que se pode calar. É bastante improvável que alguém deseje que calemos o nariz, por exemplo. Ou uma orelha. Portanto, basta dizer para se calarem. Eles devem estar cientes que se trata de calar a boca.
No entanto, ao mandar jornalistas calarem a boca, Bolsonaro consegue rebater um dos principais argumentos dos seus opositores: sim, ele descura o uso da máscara; por outro lado, impõe a utilização da mordaça. E as mordaças, por serem mais herméticas, em princípio são ainda mais eficazes do que a máscara.
Isto, os críticos esquecem-se convenientemente de referir.
Creio que é mais do que justo assinalar a coragem e a dedicação com que Bolsonaro tem combatido a pandemia. Refiro-me à pandemia de perguntas incômodas sobre a pandemia.
O presidente não é um negacionista, muito pelo contrário: ele sabe que nós atravessamos neste momento uma terrível pandemia de perguntas incômodas sobre a pandemia. E que a melhor resposta são alguns cuidados básicos.
Primeiro, reforçar a higiene: os jornalistas prestam um “serviço porco” e então ele pede-lhes para deixarem de tocar no assunto. Segundo, usar a mordaça. Infelizmente, muitos jornalistas continuam a apresentar-se sem ela. Terceiro, manter um distanciamento social adequado em relação aos jornalistas. Quanto
mais longe deles, melhor.
Os negacionistas insistem que as perguntas incomodam tanto como uma gripezinha ou um resfriadinho, mas só Bolsonaro sabe as fortes dores de cabeça que tem tido por causa da pandemia de perguntas incômodas sobre a pandemia. Elas podem mesmo conduzir à morte política do paciente.
O presidente já perdeu três ministros da Saúde para a pandemia de perguntas incômodas sobre a pandemia. É um milagre ainda não ter sucumbido também.
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