Já aconteceu várias vezes. Uma amiga apaixonada diz que o seu namorado é um deus grego. Como é evidente, eu respondo: “Que pena. Ele tem uma vontade incontrolável de comer a própria irmã?”.
Invariavelmente, o ambiente fica pesado. E, no entanto, a minha pergunta é sensata —como sempre, aliás.
Vários deuses gregos tiveram filhos com as irmãs e até com as mães. Nenhum deles tem, propriamente, uma família tradicional e uma vida sexual saudável. Estude a mitologia antes de elogiar o seu namorado, por favor.
Uma vez que não conhecem a fundo a Antiguidade clássica, as pessoas colhem lições absurdas nos mitos. Permitam-me que faça alguns esclarecimentos. O caso mais flagrante talvez seja o de Prometeu. O titã ofereceu o fogo aos seres humanos e ensinou-lhes as artes. Então, Zeus decretou que, todos os dias, uma águia comesse o fígado de Prometeu. O fígado regenerava-se durante a noite e, no dia seguinte, a águia aparecia para o comer de novo. E assim sucessivamente, para sempre.
Conclusão de todo mundo: ah, Zeus castigou Prometeu. Como assim, “castigou”? Ter um fígado novo todos os dias é um castigo? Especialmente para alguém ligado às artes? Não, amigos. Ter um fígado novo todos os dias é o sonho de qualquer artista.
Se tivessem sido submetidos a um castigo semelhante, quase todos os escritores teriam morrido de velhos, e não de cirrose.
O que os especialistas em cultura clássica deviam perguntar é o que terá feito essa águia, pois o castigo é para ela. Iscas todos os dias. Muito enjoativo. Até deve fazer mal ao fígado.
Mas Prometeu está ótimo. Imagino que comece a beber caipirinha logo de manhã, despreocupado, e faça inveja aos amigos quando, ao fim da tarde, vê a águia a aproximar-se e diz: “Bom, está na hora do meu transplante. Até amanhã, companheiros. Não se esqueçam de trazer a cachaça”.
Não sei como dizer-vos que esta minha interpretação do mito tem sido completamente desconsiderada. Depois queixem-se da falta de interesse das pessoas pelos estudos clássicos.
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