Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Justiça é cega: uma única condecoração conseguiu envergonhar duas pessoas

O ministro premiou o seu próprio chefe, pelo que deveria ter sido nomeado também grão-mestre da Ordem dos Puxa-Sacos

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Quem quiser saber a diferença entre um poeta americano e um presidente brasileiro, olhe para aqui: quando o poeta americano se celebra e se canta a si mesmo, a gente aplaude; se o presidente brasileiro pendura uma medalha no próprio peito, todos criticam.

Bolsonaro é complexo como Walt Whitman, e é possível que, como o poeta famosamente declarou, também contenha multidões. Nas multidões que Bolsonaro contém, ao que parece, o seu índice de aprovação é bastante elevado —e isso distingue radicalmente as multidões que ele contém das que ele não contém.

No desenho de Luiza Pannunzio, o presidente do Brasil em exercício usa terno preto e coloca (meio desajeitado) em sua cabeça um cocar nas cores roxo, azul, amarelo e vermelho. Ele ocupa o primeiro lugar num pódio onde se lê LIBERA O GARIMPO EM TERRAS INDÍGENAS - e vemos seus pés com resquícios de sangue, marcando suas pegadas até chegar ali.
Ilustração publicada em 20 de março de 2022 - Luiza Pannunzio

Em março deste ano, Bolsonaro acredita ser merecedor da Medalha do Mérito Indigenista. Mas, em novembro do ano passado, Bolsonaro tinha distinguido com a Ordem do Mérito Científico o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, que sempre criticou a intenção do presidente de permitir a exploração de minérios nas terras indígenas. O que significa, logicamente, que Bolsonaro vê mérito científico em quem não vê nele mérito indigenista.

Ou seja, há uma possibilidade de o presidente se ter condecorado com a Medalha do Mérito Indígena contra a sua própria vontade. Nesse caso, a honraria terá sido mais um sacrifício a que ele se submeteu em nome do povo brasileiro. Vamos esperar que a medalha não lhe pese demasiado no peito.

Tudo bem, quem agora atribuiu essa condecoração a Bolsonaro não foi exatamente ele, foi o seu ministro da Justiça. É mais ou menos o mesmo, mas apesar de tudo é diferente. O ministro premiou o seu próprio chefe, pelo que deveria ter sido nomeado também grão-mestre da Ordem dos Puxa-Sacos. Quer isso dizer que, provavelmente pela primeira vez na história, uma única condecoração conseguiu envergonhar duas pessoas.

Normalmente, uma distinção honra uma pessoa. Essa desonra duas. Não é fácil. E há outro aspecto deste caso que não pode deixar de se considerar positivo: quando o ministro da Justiça atribui a Medalha do Mérito Indigenista a quem mais tem afrontado as comunidades indígenas ele demonstra, mais uma vez, que a justiça é cega. E é assim mesmo que deve ser.

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