Quem quiser saber a diferença entre um poeta americano e um presidente brasileiro, olhe para aqui: quando o poeta americano se celebra e se canta a si mesmo, a gente aplaude; se o presidente brasileiro pendura uma medalha no próprio peito, todos criticam.
Bolsonaro é complexo como Walt Whitman, e é possível que, como o poeta famosamente declarou, também contenha multidões. Nas multidões que Bolsonaro contém, ao que parece, o seu índice de aprovação é bastante elevado —e isso distingue radicalmente as multidões que ele contém das que ele não contém.
Em março deste ano, Bolsonaro acredita ser merecedor da Medalha do Mérito Indigenista. Mas, em novembro do ano passado, Bolsonaro tinha distinguido com a Ordem do Mérito Científico o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, que sempre criticou a intenção do presidente de permitir a exploração de minérios nas terras indígenas. O que significa, logicamente, que Bolsonaro vê mérito científico em quem não vê nele mérito indigenista.
Ou seja, há uma possibilidade de o presidente se ter condecorado com a Medalha do Mérito Indígena contra a sua própria vontade. Nesse caso, a honraria terá sido mais um sacrifício a que ele se submeteu em nome do povo brasileiro. Vamos esperar que a medalha não lhe pese demasiado no peito.
Tudo bem, quem agora atribuiu essa condecoração a Bolsonaro não foi exatamente ele, foi o seu ministro da Justiça. É mais ou menos o mesmo, mas apesar de tudo é diferente. O ministro premiou o seu próprio chefe, pelo que deveria ter sido nomeado também grão-mestre da Ordem dos Puxa-Sacos. Quer isso dizer que, provavelmente pela primeira vez na história, uma única condecoração conseguiu envergonhar duas pessoas.
Normalmente, uma distinção honra uma pessoa. Essa desonra duas. Não é fácil. E há outro aspecto deste caso que não pode deixar de se considerar positivo: quando o ministro da Justiça atribui a Medalha do Mérito Indigenista a quem mais tem afrontado as comunidades indígenas ele demonstra, mais uma vez, que a justiça é cega. E é assim mesmo que deve ser.
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