Um dos problemas da lei de talião é não prever a eventual indigência do criminoso. A lei determina uma exata reciprocidade entre o crime e a pena. A Bíblia exemplifica o funcionamento da lei recorrendo à famosa frase "olho por olho, dente por dente".
Significa isso que a pena para quem mata é morrer, e a pena para quem arranca um olho é ficar sem um olho. Suponhamos, no entanto, que um criminoso me arranca um dente. De acordo com a lei de talião, eu tenho o direito de retaliar arrancando um dente ao criminoso.
O que acontece se o criminoso não tiver dentes? A lei é omissa neste ponto. Criminosos desdentados estão completamente a salvo da ideia de dente por dente, lacuna que o rei Hamurabi não previu.
Outro código judicial antigo era praticado pela minha avó, e consistia em fazer depender a condenação ou absolvição do acusado da circunstância de gostarmos ou não da cara dele. Sempre que recaía sobre alguém uma acusação, a minha avó examinava o rosto do réu e proferia a sentença.
A observação da cara do acusado não precisava de ser muito demorada. Um relance bastava para a juíza deliberar. Este método, ao que parece, é hoje bastante popular.
O ator Kevin Spacey foi acusado de assédio sexual por alguns homens e foi imediatamente despedido. Entretanto passaram seis anos e o processo conheceu finalmente o seu desfecho esta semana: Spacey foi considerado inocente pelo tribunal.
A sentença é inútil por vários motivos. Primeiro, juízes mais competentes já tinham decidido a culpabilidade do réu em 2017. Segundo, essa decisão mantém-se apesar do que aconteceu agora. Se o tribunal das redes sociais decidiu, está decidido. É uma sentença que admite recurso e a punição é perpétua.
A diferença entre Harvey Weinstein, um asqueroso violador condenado, e Kevin Spacey, que foi ilibado, é a prisão.
É uma diferença muito importante, claro, mas também há semelhanças. Por exemplo, nos últimos anos nem um nem outro puderam fazer filmes. E é duvidoso que algum deles volte a fazer.
Spacey foi ilibado pelo tribunal judicial, mas castigado pelo tribunal popular. E eu também fui castigado, porque gostava de assistir a "House of Cards" e deixei de poder fazê-lo. Gostaria de retaliar, obedecendo à lei de talião, mas é impossível. Os juízes que condenaram injustamente Spacey são iguais aos criminosos desdentados. Como conseguem morder com tanta força não tendo dentes é que eu gostava de saber.
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