Soube pela coluna de Sérgio Rodrigues que acontece nas redes sociais um debate acirrado sobre escrever bem, opondo os amantes da concisão e os partidários da prolixidade.
Normalmente, acharia ridículo que, enquanto o mundo arde e guerras cruéis destroem vidas, um grupo de pessoas estivesse empenhado em discutir, com ânimo e fúria, se a melhor escrita é sucinta ou palavrosa. Mas, neste caso, confesso, sem ironia, que o episódio me enternece.
Que a nossa embirração seja dirigida para um problema desses, precisamente nesta altura, faz com que eu mantenha a fé na humanidade. Os participantes neste debate são um exemplo para todos nós.
É isso mesmo: vamos batalhar, sim, mas sobre literatura. Vamos nos dedicar ao combate minúsculo e deliciosamente acrimonioso, que não mata.
Por isso, desejo contribuir para um mundo melhor participando da discussão, e, com todo o azedume que me é possível, decreto que nenhum dos lados da contenda tem razão. Nem economia nem prodigalidade de palavras.
O grande poeta português Alexandre O’Neill escreveu um poema que nos ajuda. Diz assim: "A regra é não haver regra/ a não ser a de cada um/ com sua rima, seu ritmo/ não fazer bom e bonito/ mas fazer bom e expressivo". Muito obrigado a todos e bom dia.
O que interessa se um texto tem palavras a mais, a menos ou na medida, se não emociona? Quem consegue escolher entre um ótimo texto palavroso e um excelente texto contido?
Dou dois exemplos. Um é o início do ensaio "Sobre Estar Doente", de Virginia Woolf. A primeira frase ocupa uma página inteira. A elegância com que se desenrola, cheia de apartes e recantos, faz com que quem a lê nunca a esqueça.
O outro é a famosa resposta que Samuel Beckett deu quando, em 1985, o jornal francês Libération fez a pergunta "por que você escreve?". Ele disse "bon qu’à ça". Respondeu com três sílabas. Três lacônicos sons. A técnica de um adolescente enfadado quando a gente quer forçá-lo a falar contra a vontade —que é sempre.
"Bon qu’à ça", algo como "só sou bom nisso" em português.
Tento manter a brincadeira do original, um engraçado conjunto de barulhos. E tenho muito a dizer sobre o fato de um grande escritor explicar a razão por que escreve com três palavras, mas falta espaço.
A Folha, tomando partido no debate, me obriga a ser breve.
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