Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

O que interessa se o texto tem palavras a mais ou a menos, se não emociona?

Quem consegue escolher entre um ótimo texto palavroso e um excelente texto contido?

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Soube pela coluna de Sérgio Rodrigues que acontece nas redes sociais um debate acirrado sobre escrever bem, opondo os amantes da concisão e os partidários da prolixidade.

Normalmente, acharia ridículo que, enquanto o mundo arde e guerras cruéis destroem vidas, um grupo de pessoas estivesse empenhado em discutir, com ânimo e fúria, se a melhor escrita é sucinta ou palavrosa. Mas, neste caso, confesso, sem ironia, que o episódio me enternece.

No desenho de Luiza Pannunzio um mão branca escreve com uma caneta sobre uma folha pautada arrancada de caderno, terminando duas palavras - escrever (numa linha) bem (na linha de baixo). Acima dessa mão - lemos a frase "O escritor é uma pessoa que, mais do que qualquer outra, tem dificuldade para escrever." Thomas Mann. No canto esquerdo da folha, há um pequeno calendário semanal com os dias da semana representados por suas letras iniciais e um círculo abaixo de cada letra. O D de domingo está assinalado.
Publicada neste sábado, 21 de outubro de 2023 - Luiza Pannunzio

Que a nossa embirração seja dirigida para um problema desses, precisamente nesta altura, faz com que eu mantenha a fé na humanidade. Os participantes neste debate são um exemplo para todos nós.

É isso mesmo: vamos batalhar, sim, mas sobre literatura. Vamos nos dedicar ao combate minúsculo e deliciosamente acrimonioso, que não mata.

Por isso, desejo contribuir para um mundo melhor participando da discussão, e, com todo o azedume que me é possível, decreto que nenhum dos lados da contenda tem razão. Nem economia nem prodigalidade de palavras.

O grande poeta português Alexandre O’Neill escreveu um poema que nos ajuda. Diz assim: "A regra é não haver regra/ a não ser a de cada um/ com sua rima, seu ritmo/ não fazer bom e bonito/ mas fazer bom e expressivo". Muito obrigado a todos e bom dia.

O que interessa se um texto tem palavras a mais, a menos ou na medida, se não emociona? Quem consegue escolher entre um ótimo texto palavroso e um excelente texto contido?

Dou dois exemplos. Um é o início do ensaio "Sobre Estar Doente", de Virginia Woolf. A primeira frase ocupa uma página inteira. A elegância com que se desenrola, cheia de apartes e recantos, faz com que quem a lê nunca a esqueça.

O outro é a famosa resposta que Samuel Beckett deu quando, em 1985, o jornal francês Libération fez a pergunta "por que você escreve?". Ele disse "bon qu’à ça". Respondeu com três sílabas. Três lacônicos sons. A técnica de um adolescente enfadado quando a gente quer forçá-lo a falar contra a vontade —que é sempre.

"Bon qu’à ça", algo como "só sou bom nisso" em português.

Tento manter a brincadeira do original, um engraçado conjunto de barulhos. E tenho muito a dizer sobre o fato de um grande escritor explicar a razão por que escreve com três palavras, mas falta espaço.

A Folha, tomando partido no debate, me obriga a ser breve.

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