Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

Por que é célebre o poema de William Carlos Williams sobre as ameixas?

Comer ameixas não é uma atividade notável, e sobretudo está longe de ser um crime, mesmo sendo as ameixas de outra pessoa

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Por que será célebre o poema de William Carlos Williams sobre as ameixas? Traduzo, mais ou menos. Título: "É só para dizer".

"Comi/ as ameixas/ que estavam/ na geladeira/ e que / provavelmente você estava/ guardando/ para o café da manhã/ desculpe / eram deliciosas/ tão doces/ e tão frescas".

Comer ameixas não é uma atividade notável, e sobretudo está longe de ser um crime, mesmo sendo as ameixas de outra pessoa.

No desenho, vemos em primeiro plano do lado esquerdo do leitor uma mão branca arrancando uma maçã do pé. A maçã é bem vermelha e a folhagem da árvore é abundantemente verde. Ao lado há um casal: um homem e uma mulher brancos e nus que seguram uma folha verde cada um para esconder seus genitais. Ambos tem bochechas vermelhas e cabelos pretos. Do homem - o cabelo é curto e da mulher - o cabelo é longo. Junto deles há uma árvore e uma serpente enrolada nela com a cabeça bem próxima da do casal.  Ela está com a língua para fora. A mulher carrega uma maçã com a mão direita. A árvore onde a serpente está tem algumas poucas folhagens e duas maças penduradas. No canto direito do desenho, algumas folhas verdes mais fecham o traçado.
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Araujo Pereira de 26 de maio de 2024 - Folhapress

Mas há qualquer coisa no poema que nos faz sentir que quem comeu as ameixas cometeu uma infracção grave, da qual nem está arrependido (comunicar à dona das ameixas que elas estavam mesmo boas parece uma provocação desnecessária), e que essa transgressão vai indispor a legítima proprietária das ameixas.

Mas, vamos lá, são ameixas. Estas comeram-se, amanhã haverá outras. Sim, a dona das ameixas tinha, ao que parece, planos para elas. Mas não era propriamente um projeto grandioso, cuja não concretização vá produzir um transtorno irreparável.

Quem se preocupa assim tanto com fruta? Bom, a resposta é: Deus. Quando cria o homem e a mulher, Deus faz-lhes uma única advertência. Não há mandamentos (isso virá mais tarde), nem instruções de funcionamento do paraíso, nem cuidados a ter com os seus corpos novinhos em folha, nada.

A única preocupação de Deus é: vocês não podem comer o fruto de determinada árvore. Minto. Quando Deus emite essa lei, a mulher ainda não existe.

Eva só conhece esse ditame por interposta pessoa. Deus nunca lhe disse diretamente. Talvez seja por isso que a manhosa serpente se dirige a ela, e não a Adão.

O resto da história é conhecido: a serpente convence Eva, que convence Adão, e eles comem o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.

Depois, Deus aparece, e Adão culpa Eva, que culpa a serpente. E Deus castiga-os a todos —mas apenas por terem desobedecido à ordem de não comer aquele fruto.

O delito bem mais feio de se denunciarem mutuamente, Deus deixa passar sem fazer uma punição.

Há um pormenor muito curioso nessa história: a bíblia não especifica qual o fruto que Adão e Eva comeram, mas todo o mundo supõe que era uma maçã.

Erradamente, parece-me. Cá para mim, eram ameixas.

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