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William Carlos Williams recriou Estados Unidos em uma nova poesia

Poeta, publicado agora no Brasil em duas editoras diferentes, representou para seu país o que Baudelaire foi para Paris

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Giovana Proença

Pesquisadora na Universidade de São Paulo e autora de 'Os Tempos da Fuga'

São Paulo

Versos inusitados assinaram o nome de William Carlos Williams nos cânones da literatura americana: "tanta coisa depende/ de um/ carrinho de mão/ vermelho/ esmaltado de água da/ chuva/ ao lado das galinhas/ brancas".

Mais célebre poema de Williams, "O Carrinho de Mão Vermelho" exemplifica a essência de sua obra, na qual quadros cotidianos são transformados em poesia. Em pessoas, cenas e objetos ordinários, ele encontrou a matéria literária que o acompanhou por mais de meio século de produção. Não é exagero apontar que nenhum outro escritor de sua geração foi tão engajado na busca de um discurso para a "América moderna".

foto antiga de homem de terno e gravata de bolinhas
O poeta William Carlos Williams em fotografia tirada ao redor de 1920 - Divulgação

A poesia de Williams, conhecido como WCW, chega ao Brasil em duas ótimas traduções. A Companhia das Letras lança "A Cidade Esquecida e Outros Poemas", coletânea selecionada a partir de 15 livros, datados de 1917 até 1962. Já o Círculo de Poemas publica o épico "Paterson". A ideia desta empreitada de fôlego surgiu pela primeira vez em 1925, de modo que a obra —com fragmentos que datam de 1946 a 1961— foi maturada em um período de mais de 20 anos.

Poeta por vocação, Williams exerceu a medicina em paralelo à escrita. De fato, com exceção do russo Anton Tchékhov, não deve ter havido um médico mais famoso na literatura.

Como escritor, sua trajetória se confunde com o percurso da poesia americana. No início do século 20, a literatura do país foi renovada por um grupo de autores que buscava dar forma ao avanço da modernidade nacional.

Por quase 80 anos, Williams acompanhou os desdobramentos dos Estados Unidos. Com a implosão da Primeira Guerra Mundial e o ímpeto da sociedade industrial, era preciso estabelecer novos parâmetros poéticos, gerando um movimento ligado ao modernismo que o poeta integrou com nomes como Ezra Pound, T.S. Eliot e Marianne Moore.

A cuidadosa seleção de "A Cidade Esquecida", notável por seus versos concisos e contundentes, revela o pendor de Williams para o que ele chama de "objetivismo". A paisagem urbana e industrial, tradicionalmente vista como antipoética, inspirou um lirismo singular, com construção precisa de imagens da cidade.

À primeira vista, essa poesia destoa das folhas de relva de Walt Whitman ou do transcendentalismo de Emily Dickinson, grandes poetas do século 19. Leitor da tradição, Williams rompe com ela ao recriar, em termos literários, uma "nova América".

O mundo do trabalho é retratado aqui sem idealizações ou ecos panfletários, apesar de a visão social do poeta ser mais alinhada à esquerda do que a de seus contemporâneos.

Já o épico "Paterson", sua obra de maior fôlego, possibilita o aprofundamento no seu trabalho com a linguagem e com figuras metafóricas —uma experimentação com a poética sutil que permeia seus escritos breves.

O poema toca, simultaneamente, a consciência de um homem, a história de uma cidade —o município de Paterson, no estado de Nova Jersey— e as entranhas da cultura americana.

A predileção pelo local não é aleatória. Um dos berços da industrialização dos EUA, as cataratas do Passaic possibilitaram o estabelecimento de fábricas na cidade, impulsionando ali uma guinada à modernidade desde o século 18.

Na obra, o escritor explora novas configurações para seus versos, postos ao lado de interlúdios prosaicos, oferecendo uma poesia de qualidade narrativa mesmo nos textos mais curtos.

Diferentemente de contemporâneos como Pound, Eliot e Gertrude Stein, Williams não buscou sua forma literária no modernismo europeu. Seu olhar se direcionou para seu país. O poeta representou para os subúrbios dos Estados Unidos o que Charles Baudelaire foi para a Paris em ascensão urbana.

A publicação em dose dupla da poesia de Williams vem em bom momento. Seus versos são um lembrete das epifanias e contradições contemporâneas, além de um marco da versatilidade estética. Com uma obra despretensiosa, voltada para o banal, o poeta buscou a voz da modernidade.

A Cidade Esquecida e Outros Poemas

  • Preço R$ 99,90 (312 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria William Carlos Williams
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução e organização José Paulo Paes

Paterson

  • Preço R$ 89,90 (372 págs.); R$ 54,90 (ebook)
  • Autoria William Carlos Williams
  • Editora Círculo de Poemas (Fósforo e Luna Parque)
  • Tradução Ricardo Rizzo
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