Ricardo Balthazar

É repórter especial. Foi editor de Poder e Mercado.

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Descrição de chapéu

Séries de televisão apresentam visões distintas sobre corrupção

'O Mecanismo' é mais crítica do que parece, mas a italiana 'Suburra' soa mais persuasiva

No fim da primeira temporada de “Suburra: Sangue em Roma”, série italiana sobre uma disputa entre facções criminosas, políticos corruptos e o Vaticano, um empresário ameaça chamar a polícia quando o líder de uma gangue vai até seu escritório para intimidá-lo. “Vão dizer o quê?”, o invasor pergunta. “Eles são piores do que eu.”

O universo descrito na série é dominado por criminosos que matam, corrompem e trapaceiam à luz do dia, com certeza de que ficarão impunes. O único policial chamado em cena pelo nome, um tira honesto cujo filho entra no mundo do crime, é morto assim que decide interferir nos seus negócios.

Uma realidade distinta é representada em “O Mecanismo”, a série que José Padilha e Elena Soarez criaram para a Netflix, inspirados pela Operação Lava Jato. A política e as empresas brasileiras estão podres, sugere o enredo, mas um grupo de policiais implacáveis está no encalço dos criminosos, e a punição dos culpados parece apenas questão de tempo.

O tom da série é mais crítico do que se nota à primeira vista. Marco Ruffo, o delegado de pavio curto interpretado por Selton Mello cujas teorias conduzem a trama, é mostrado como um desequilibrado, que chantageia suspeitos e adota métodos rústicos de investigação ao perseguir suas obsessões.

Na vida real, procuradores na linha de frente da Lava Jato tiveram papel decisivo, especialmente a partir do momento em que passaram a negociar os acordos de colaboração que persuadiram corruptos a delatar antigos parceiros e assim salvar a própria pele.

Na ficção de Padilha e Soarez, a força-tarefa de Curitiba é reduzida a uma dupla de caráter duvidoso. O chefe parece hesitar na hora de avançar. Seu colega atravessa o caminho dos federais sem pedir licença nem buscar sua cooperação.

Delatores se revelam hábeis ao manipular os investigadores. Quando o principal operador financeiro investigado presta o primeiro depoimento como colaborador, seu advogado vaza para a imprensa uma mensagem telegrafada pelo doleiro para tentar influir na campanha eleitoral em curso.

Será preciso esperar as próximas temporadas para saber até onde os criadores da série pretendem levar sua história. O pior que poderiam fazer seria defender a noção simplista de que, para acabar com a corrupção, basta deixar a polícia à vontade para chutar portas e pôr os bandidos na cadeia.

A italiana Suburra” soa mais persuasiva. Num filme inspirado no mesmo livro que deu origem à série, também produzido pela Netflix, um deputado corrupto cai em desgraça e perde o mandato. “Não importa”, diz o mafioso que o tinha no bolso. “Se houver novas eleições, procuraremos outro.”

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