Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

E se Cristina voltar?

Cenário de vitória kirchnerista na Argentina teria forte impacto sobre Brasil

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Primeiro, uma ponderação fundamental: faltam seis meses para a eleição argentina e, até a apresentação das candidaturas, em junho, nem sequer saberemos se a ex-presidente Cristina Kirchner disputará. Tem chão ainda e o caminho é incerto.

Mas, nas últimas semanas, o cenário Cristina 2019 ganhou uma força inesperada. Pesquisas recentes a colocam à frente do presidente Mauricio Macri tanto no primeiro quanto no segundo turno.

Cristina era antes tida como uma candidata de “piso alto e teto baixo”: tinha um eleitorado cativo e numeroso, porém a maior rejeição entre presidenciáveis. Num segundo turno, seria pouco competitiva.

A novidade é a crescente rejeição a Macri, alimentada pela recessão, a desvalorização cambial, projeções da maior inflação anual desde 1991 e o retorno à alquimia de preços tabelados (ainda que numa escala reduzida).

Sua aprovação, que já esteve na casa dos 70%, foi parar nos 30%. E 65% dos argentinos dizem que as políticas macristas os deixaram mais pobres.

Painel eletrônico mostra a cotação do dólar na Argentina - REUTERS

“Na disputa entre os menos piores, claramente ganhamos”, diz Juan Durán Barba, o estrategista de campanha de Macri.

Talvez. Mas fantasmas do cenário Cristina já estão à solta no noticiário. O mais visível deles é a expectativa de um default: esta semana, o risco país atingiu patamares de 2014, quando ficara claro que os “fundos abutres” venceriam a disputa judicial nos EUA. Há outros, como as oito acusações de corrupção contra Cristina.

Ao Brasil, a ressurreição kirchnerista imporia um choque em dois temas chave. O primeiro é o futuro do Mercosul e da política comercial brasileira. Quando, após a eleição de outubro, Paulo Guedes disse que Argentina e Mercosul “não eram prioridades”, Macri se assustou. Mas o temor passou com sua visita a Brasília, em janeiro. O presidente argentino voltou para casa com garantias de que o Brasil apostaria numa modernização profunda do Mercosul.

Liderada pelo Ministério da Economia (e não pelo Itamaraty), a estratégia brasileira tem dois focos: reduzir a tarifa externa comum (TEC) e fechar as negociações com União Europeia, Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) e Canadá.

Brasileiros propuseram um corte linear de tarifas a começar por insumos e bens de capital. Argentinos pediram uma negociação por setor e calma até a eleição.

Um cenário Cristina, com uma guinada protecionista, enterraria o diálogo e faria o Brasil deixar de lado o Mercosul para agir sozinho. Seria um câmbio estrutural nas nossas relações externas.

Cartaz mostra o quanto serviços públicos subiram de preço desde o começo do governo de Mauricio Macri - AFP

O segundo tema é Venezuela.

Ferrenhamente chavista, o kirchnerismo afrouxaria o cerco regional ao regime de Nicolás Maduro. Das três maiores economias latino-americanas, duas —Argentina e México— recusariam a ideia de que Juan Guaidó é o legítimo presidente em Caracas.

Setores do governo brasileiro que alardeiam o mito do Foro de São Paulo veriam o novo governo argentino como inimigo.

Ontem, Bolsonaro disse que a vitória da oposição argentina criará “uma nova Venezuela”. Macristas se incomodaram.

O presidente fará duas viagens à Argentina nos próximos três meses —na primeira, em junho, será recebido na Casa Rosada. Sua imagem é muito negativa entre argentinos. Se virar tema de campanha, sobrará mais um pepino a Macri.

O presidente argentino, Mauricio Macri - AFP

As opiniões acima não refletem a posição institucional do Council of the Americas.

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