Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

A esquerda americana contra corrupção

Nos Estados Unidos, tema virou base da campanha democrata

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Pode parecer estranho no Brasil, onde é a direita que tem vestido a camisa da luta contra a corrupção, com brasão da CBF e slogans contra o “socialismo”. Mas, ao lançar um processo de impeachment contra Donald Trump, o Partido Democrata colocou de vez o tema no cerne de sua pré-campanha presidencial e criou um denominador comum entre seus candidatos e facções.

O discurso contra a corrupção —em seu sentido fundamental, de captura do Estado por interesses privados, em detrimento da maioria— já dominava as alas mais à esquerda dos democratas, sobretudo entre os que se auto-intitulam “socialistas”.

Agora, com a decisão da presidente da Câmara, a moderada Nancy Pelosi, de desatar o nó do impeachment, chegou definitivamente ao establishment do partido.

Americanos estão divididos sobre o impedimento de Trump: uma pesquisa divulgada nesta sexta (27) indicou que 49% são a favor, e 48%, contra. A proposta tem boas chances de prosperar na Câmara, controlada pelos democratas. Mas republicanos são maioria no Senado, e o presidente detém as rédeas do partido. A queda de Trump, portanto, é altamente improvável.

Ainda assim, daqui para frente, o processo de impeachment no Congresso pautará a corrida eleitoral —e ele será, ao final, um debate sobre corrupção e conflito de interesses.

Ao pressionar ucranianos a investigar o filho de Joe Biden, Trump teria usado a máquina do governo para perseguir um rival político. Interesse privado e assuntos de Estado se misturaram completamente. 
O “favor” solicitado ao presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, envolvia a colaboração de autoridades de Kiev diretamente com o advogado pessoal de Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, 
que nem cargo na administração pública tem.

Biden, do outro lado, defende o impeachment, mas acabou debaixo de um reluzente teto de vidro. Em 2016, o campo trumpista cresceu com a denúncia de conflitos de interesse, reais e imaginários, da família Clinton.

Agora, sua reação consiste em insistir numa pergunta óbvia: como o filho do então vice-presidente foi parar na empresa de um oligarca da Ucrânia, um dos epicentros da diplomacia americana? Quando um repórter lhe colocou a questão, Biden devolveu, aos berros: “Faça as perguntas certas!”.

Quem mais respostas tem sobre a extensão do problema é a senadora Elizabeth Warren. Dias antes de estourar o escândalo Trump-Zelenski, Warren havia lançado o que chamou de “o maior programa de reformas contra a corrupção desde Watergate”. O plano inclui 200 medidas, de limites severos à indústria do lobby a maiores penas a corruptos.

Na visão warreniana, relações promíscuas entre dinheiro e política são a causa maior da destruição dos EUA como uma sociedade de classe média. Da corrupção derivam os outros problemas. 
Super-ricos quase não pagam impostos porque são os grandes doadores de campanha, e existe uma “porta giratória” entre a alta burocracia federal e a elite do setor privado. Quase 30 milhões de americanos não têm acesso a saúde porque seguradoras “põem lucro acima de bem-estar e pilhas de dinheiro para impedir uma reforma”. E por aí vai.

Das alas mais progressistas ao establishment do partido, democratas entenderam que, para discutir desigualdade e ameaças à democracia na era Trump, terão de falar sobre corrupção.

Gente que quer renovar a centro-esquerda brasileira faria bem em prestar atenção.

As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas

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