Quando eu nasci, no final da década de 70, a expetativa média de vida no meu país, Portugal, era de 71 anos. Quem nasce hoje na mesma cidade e no mesmo hospital poderá viver, em média, 84 anos. Os progressos na medicina e a melhoria na alimentação têm adicionado pedaços de vida, adiando a morte predestinada. Neste ritmo, quando eu celebrar 84 anos a esperança de vida de quem nascer nesse dia será de 109 anos.
Estamos habituados a olhar para o envelhecimento da população como um problema. Afeta a economia tanto pelo lado da despesa, com o aumento das pensões e dos custos com saúde pública, como pelo lado da receita, devido ao abrandamento da oferta futura de mão de obra, contribuindo para a diminuição da produtividade e do crescimento econômico. No Brasil, 18% dos idosos afirmaram terem sido discriminados ou maltratados. São estigmatizadas como vulneráveis ou dependentes. O etarismo –discriminação contra pessoas idosas– é uma realidade.
Um dos argumentos usados pela americana Amy Pope, de 49 anos, contra o seu adversário nas eleições para chefiar a Organização Internacional para as Migrações (OIM), ocorridas nesta semana, foi que o português António Vitorino, com indesculpáveis 66 anos, portava já a chaga da velhice. Falta-lhe "energia", alegou ela.
Mas o aumento da expectativa média de vida poderá sofrer um abalo na próxima década. Talvez o crescimento deixe de ser proporcional, paulatino, silencioso. Os avanços tecnológicos permitirão que a medicina deixe de estar centrada na cura e se volte para a prevenção de doenças e o prolongamento da vida humana. Quem nasce hoje poderá viver até aos 150 ou 200 anos, sobressaltando as estruturas sociais e governativas desenhadas desde o Iluminismo, para expectativas de vida mais efêmeras.
Inúmeros estudos, como estas entrevistas especializadas publicadas na Nature, indicam que os médicos passarão a ser, principalmente, validadores das soluções propostas pela inteligência artificial, geradas pela coleta e análise de um grande volume de dados globais e seguindo algoritmos definidos por especialistas.
Cada indivíduo terá também a sua saúde constantemente examinada por intermédio de "wearables" (roupas, relógios, pulseiras, óculos), que detectam anomalias antes de serem sentidas pelo próprio paciente, acionando automaticamente médicos e prescrevendo soluções.
Mas há muito mais: impressão de órgãos em 3D, diagnósticos e medicamentos personalizados, edição genética (CRISPR), reprogramação epigenética, uso de senolíticos, cirurgia robótica assistida, medicina regenerativa. Iremos conseguir reprogramar os mecanismos genéticos, moleculares e celulares que tornam a idade o fator de risco dominante para certas doenças e condições degenerativas.
No mercado de capitais, fundos de investimento têm aproveitado essas oportunidades. Não para investir em casas de repouso ou utensílios para melhorar a qualidade de vida de idosos sedentários. Mas para aportar capital em startups com soluções para prolongar a vida. O fundo Bold Longevity Growth, a ser lançado no próximo mês nos EUA, prevê que o mercado tecnológico da longevidade possa atingir US$ 1 trilhão na próxima década.
Se a tecnologia chegar também às camadas mais pobres da população, a longevidade de toda a sociedade poderá agitar fundamentos econômicos e normais sociais. Em vez de termos três ou quatro gerações simultaneamente na força de trabalho, passaremos a ter cinco ou seis, estimulando-se a necessidade de constante formação. Em vez de uma criança crescer com a presença dos pais e dos avós, passará a conviver, até a idade adulta, com os seus bisavós e trisavós, gerando-se novos modelos de segurança emocional e de identidade individual e coletiva.
As universidades têm sido os motores dessa transformação, com departamentos como o Stem Cell and Regenerative Biology de Harvard operando como interfaces entre medicina, engenharia e biologia. Outros centros, como o Stanford Center on Longevity, estão a abrir portas para estudar as consequências e oportunidades de uma sociedade longeva.
Teremos de deixar de olhar para o envelhecimento da população como um lamento, como se vincos na testa e pele flácida fossem uma escorregadela para a morte. Ou como uma perda: de independência, de mobilidade, de qualidade de vida. Ou de energia, como disse a candidata americana.
Os avanços na gerociência –a ciência que estuda o envelhecimento biológico– permitirão trazer os velhos de volta para as decisões econômicas, corporativas e políticas. As empresas poderão desfrutar, pela primeira vez, da interação entre o ímpeto empreendedor dos mais jovens e a sabedoria e inteligência emocional dos mais velhos. O prolongamento da vida levará a que as pessoas possam viver vidas não lineares, com múltiplas carreiras e interesses, intercalando entre períodos remunerados e não remunerados. Haverá mais tempo para uma pessoa se recuperar de desvantagens e contratempos. A longevidade poderá tornar-se uma oportunidade, com toda a amplitude que esse termo vago proporciona.
Um dos próximos passos será atualizar o marco legal para uma pessoa ser considerada idosa. Sessenta anos no Brasil. Sessenta e cinco anos na maioria dos países, incluindo nos EUA, desde 1935, e em Portugal, desde 1944. Esses 65 anos são, como se percebe, um número anacrônico. A idade média dos deputados brasileiros, aqueles que podem alterar o marco legal, é de 49 anos. Há um século eles eram idosos. Hoje são adultos. No futuro serão adolescentes.
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