Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Mídia dá atenção desproporcional à idade de Joe Biden

Se for reeleito, Biden será o presidente mais velho dos EUA, mas ele já o era da primeira vez que foi eleito

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The New York Times

A relação entre campanhas políticas, imprensa e público não é exatamente uma interação entre atores independentes. É uma teia de influência.

Essa dinâmica é especialmente relevante quando o assunto é a avalanche de manchetes e sondagens sobre a idade do presidente Joe Biden.

idoso branco com o cenho franzido e a boca aberta
O presidente dos EUA, Joe Biden, discursa em Washington - Mandel Ngan - 13.mai.23/AFP

A pesquisa mais recente ABC News/Washington Post constatou que 63% dos entrevistados pensam que Biden não tem a argúcia mental necessária para exercer a Presidência com eficácia; 43% disseram o mesmo sobre Donald Trump, apesar de haver poucos anos de diferença entre as idades deles.

Vou dizer de antemão que a idade e a competência mental de um candidato sempre são tópicos que podem e devem ser discutidos em política. Não é etarismo reconhecer a realidade científica de que nossa capacidade física e mental declina à medida que envelhecemos. Não é etarismo os eleitores incluírem essa consideração em suas decisões eleitorais. E o envelhecimento é algo individual: algumas pessoas parecem dinâmicas e cheias de energia aos 80 anos, enquanto outras chegam aos 50 já exauridas.

Mas há outras verdades que também precisam ser levadas em conta. Manchetes e sondagens não apenas medem e refletem a opinião pública —também a influenciam. A insistência sobre um tema o destaca e valida.

Jocelyn Kiley, diretora adjunta do Centro Pew de Pesquisas, me disse: "Como é o caso de qualquer coisa no jornalismo, de modo mais amplo, quando muita atenção é voltada a um tópico, isso ressalta a importância do tópico aos olhos do público. As pessoas tendem a enxergar como importantes as coisas que são mencionadas nas notícias."

Acredito também que nós, como cidadãos e consumidores de mídia, gostamos de pensar que formamos nossas opiniões e crenças inteiramente por conta própria. Resistimos à ideia de que essas opiniões possam ter sido influenciadas ou manipuladas por fontes externas. Mas cada vez mais pesquisas demonstram justamente o contrário. Somos influenciados pela mídia, sim, sem dúvida alguma.

Isso me leva à cobertura feita pela mídia da idade de Biden. É verdade que, se for reeleito, Biden será o presidente mais velho que já tivemos. Mas ele já era o presidente mais velho a primeira vez que foi eleito. O que mudou?

Eu argumentaria que a coisa mais importante que mudou não foi apenas o tempo que passou, mas a decisão de alguns líderes republicanos de enfocar fixamente a idade de Biden como o fator que pesa contra ele. Em entrevista concedida em abril, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley disse que é improvável que Biden sobreviva a um segundo mandato. Na resposta republicana ao discurso do Estado da União, a governadora do Arkansas, Sarah Huckabee Sanders, destacou que tem metade da idade de Biden.

Alguns observadores argumentam que votar em Biden equivale essencialmente a votar na vice-presidente Kamala Harris para presidente, porque é possível que Biden não consiga chegar ao término de um segundo mandato. Para os republicanos, essa noção encerra o benefício adicional de permitir que façam campanha contra uma trinca de alvos de seu desdém: uma política liberal, membro de uma minoria étnica e mulher.

E isso nos traz de volta à teia de influência: as campanhas enfatizam uma questão, sondagens e jornalistas indagam se a questão está tendo um efeito sobre a disputa, reportagens são escritas sobre esse efeito e, em consequência da cobertura, o efeito muitas vezes é intensificado. Essa é a cadeia de custódia de um ataque político, mas muito frequentemente essa conexão e esse contexto não são explicitados. A coisa é apresentada como se esse tipo de preocupação simplesmente nascesse naturalmente da cabeça dos eleitores, sem ser influenciada pelas campanhas e pela cobertura da mídia.

Isso acontece o tempo todo na política.

Antes das midterms (as eleições parlamentares no meio do mandato presidencial) de 2018, Trump decidiu acirrar a xenofobia dos americanos mais uma vez, falando sem parar de uma caravana de migrantes que se encaminhava para a fronteira sul dos EUA e que ele caracterizou como "uma invasão".

Menos de um mês antes dessas eleições, o New York Times informou: "Nas duas últimas semanas Trump e seus aliados conservadores vêm operando em conjunto nas redes sociais e outros espaços para promover avisos conspiratórios alarmistas sobre a caravana de migrantes que está a mais de 3.600 quilômetros de distância da fronteira". O jornal concluiu que eles haviam conseguido em grande medida energizar os eleitores republicanos "em torno da ideia de que esses cidadãos estrangeiros representam uma ameaça grave à segurança, estabilidade e identidade do país".

Essa caravana atraiu manchetes e tempo no ar. E pelo menos uma sondagem foi realizada sobre os perigos que as pessoas pensavam que as caravanas de migrantes encerrassem. Segundo o Politico, Trump decidiu enfocar a questão da caravana depois de sua equipe ter analisado pesquisas de distritos congressionais que foram competitivos na eleição de 2016 e concluído que os eleitores desses distritos se interessavam por questões ligadas à fronteira.

Mas, quando as midterms haviam passado, Trump relegou a questão da caravana para o segundo plano, e a mídia fez o mesmo, informou o Quartz. E, como observou o site, "a atenção de Trump e outros republicanos ajudou a alimentar a cobertura feita pela mídia da caravana de migrantes, e os jornais e emissoras a cabo ou reiteraram os gritos de alarme ou procuraram aliviar as preocupações".

Se as caravanas tivessem sido de interesse real para o público, é provável que teriam continuado a receber cobertura maior. Em vez disso, o que vimos nesse caso foi como um partido político instrumentalizou um tópico e a mídia ajudou.

Isso não quer dizer que a imigração e a segurança da fronteira não sejam temas que merecem ser notícia por si sós. Significa que a mídia não se limita a cobrir campanhas: suas decisões editoriais podem ser influenciadas pelas campanhas, e a cobertura noticiosa que ela faz pode influenciar os eleitores tanto quanto os informa.

Esse fenômeno está se repetindo novamente. A ideia de que os eleitores estariam preocupados com a idade e a capacidade mental de Biden já foi repetida tantas vezes que já não requer qualquer prova além de sondagens que refletem o que os entrevistados consumiram: reportagens segundo as quais estão preocupados com a idade e capacidade mental de Biden.

Há um dilema real em ação aqui do tipo "quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?".

E, como me disse por email Nate Silver, fundador da FiveThirtyEight, que pensa de modo geral que a imprensa "deve enfocar mais e não menos a saúde e acuidade mental dos políticos eleitos", não está claro até que ponto a questão da idade vai afetar os votos em Biden, de qualquer maneira. Ele disse: "Falando abstratamente, os eleitores mencionam alto nível de preocupação —mas fizeram isso também em 2020 e Biden venceu tanto a primária quanto a eleição geral. E os índices de aprovação dele, embora não sejam tremendos, são mais ou menos o que se poderia esperar, diante do alto grau de polarização e da inflação alta."

Manchetes em tom de falsa urgência criaram a ideia de que a preocupação com a idade do presidente é de conhecimento comum e questão de bom senso, quando na realidade ela é alimentada pelo menos em parte por manipulação política e cumplicidade da mídia.

Tradução de Clara Allain

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