Na manhã do dia 1° de fevereiro de 2021, o Exército de Myanmar tomou o poder, declarando inválidos os resultados das eleições ocorridas uns meses antes. Apesar de não ter conseguido evitar o golpe de Estado, o embaixador do país na ONU, Kyaw Moe Tun, exerceu um papel fundamental na mobilização da comunidade internacional contra a junta militar. Por esses esforços, é um dos principais candidatos a vencer o Prêmio Nobel de 2023, segundo análise do diretor do Peace Research Institute Oslo (Prio), Henrik Urdal.
Na tarde do dia 8 de janeiro de 2023, acólitos de Jair Bolsonaro, com apoio tácito de alas da polícia e do Exército brasileiros, tentaram tomar o poder e invalidar os resultados das eleições ocorridas uns meses antes. Analistas políticos, juristas, políticos e editorialistas de jornais ressaltaram que a intervenção diligente do ministro do STF Alexandre de Moraes foi fundamental para conter e criminalizar o assalto à democracia.
Ainda assim, segundo o professor catedrático Isak Svensson, da Universidade de Uppsala (Suécia), especialista em resolução e prevenção de conflitos armados que acompanha com proximidade o Prêmio Nobel da Paz, o nome de Alexandre de Moraes não está sendo cogitado para 2023. Neste ano, o Comitê Nobel, que outorga o prêmio, recebeu 305 candidaturas, sendo 212 de indivíduos e 93 de organizações. Os nomes dos candidatos oficiais não são tornados públicos pelo comitê. O anúncio será feito em outubro.
Em teoria, jogariam a favor de Moraes vários fatores. Com o autoritarismo tomando espaço em países emergentes e na Europa, incluindo a própria Suécia e a Noruega —onde se vê a ascensão dos partidos Sverigedemokraterna e Fremskrittspartiet—, o Comitê Nobel poderá querer emitir uma mensagem clara de oposição a forças antidemocráticas, radicais ou populistas. Se o extremista Javier Milei vencer as eleições na Argentina, poderá melhorar ainda mais o palato do Comitê Nobel por estancar o avanço do autoritarismo na América Latina.
Moraes representaria também uma oportunidade para o comitê ensaiar um retorno às suas raízes mais formalistas e enxotar algumas críticas de que, nos últimos anos, tem apoiado principalmente ativistas e o terceiro setor. Em 1904 e 1911, foram laureados respectivamente o Institute of International Law e o holandês Tobias Asser para reforçar o papel do direito na prevenção, gestão ou resolução de conflitos internacionais. Moraes é também um homem do direito e da toga.
Além disso, as intervenções do ministro não são difusas. Não têm contribuído indistintamente para o desenvolvimento econômico, os direitos humanos ou a paz mundial. O seu papel é individual e tem sido tão específico quanto o de outros vencedores, como Juan Manuel Santos (2015), Martti Ahtisaari (2008) ou David Trimble e John Hume (1998).
Mas há vários outros elementos que jogam contra Alexandre de Moraes. Está longe de ser uma pessoa consensual. Ainda que o alargamento do papel do STF em 2019 não tenha sido de sua responsabilidade, tendo correspondido a uma decisão do então presidente Dias Toffoli, Moraes é certamente o membro da Corte que tem aproveitado melhor o lastro adicional para judicializar a vida política brasileira: umas vezes usando de instrumentos fundamentais para preservar a democracia, outras, autorizando medidas extraordinárias sem base na própria Constituição ou sem investigação prévia, como salientaram alguns juristas em matérias no New York Times e na BBC. A concentração de vários casos nas mãos de um só ministro tem seus riscos.
Além disso, Moraes não é ainda uma figura de estatura global. É verdade que muitos vencedores não são celebridades internacionais (como Ales Bialiatski, em 2022, ou Dmitry Muratov e Maria Ressa, em 2021), mas quase sempre são selecionados indivíduos previamente reconhecidos por pares estrangeiros que atuam nas mesmas áreas.
Moraes nunca foi laureado, por exemplo, com o Bolch Prize for the Rule of Law ou o Gruber Prize for Justice, que premiam indivíduos que se destacam por suas contribuições ao Estado de Direito e à causa da justiça. Nunca se destacou no contexto da Associação Internacional de Juízes (IAJ), com sede em Roma. Ao contrário de Lula, Sônia Guajajara e até Felipe Neto, nunca entrou na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista Time.
No passado, o Comitê Nobel laureou figuras controversas (Henry Kissinger, em 1973, ou Yasser Arafat, em 1994) ou fê-lo prematuramente (Barack Obama, em 2009, ou Aung San Suu Kyi, em 1991). Mas, no caso brasileiro, certamente não iria querer inflamar ainda mais o polarizado ecossistema político. Ainda que a relação do ministro do STF com o PT não seja facilmente caracterizável nos dias de hoje, é importante relembrar que o partido condenou, em 2017, a sua indicação ao STF devido ao seu "despreparo, seu desprezo pelas instituições e sua parcialidade". O chefe de Estado do Brasil, o presidente da Câmara ou o presidente do Senado, entre outros, teriam poder regimental para nomear Moraes ao Nobel, mas a decisão de tentar a canonização do ministro do Supremo levaria à carbonização do ecossistema político brasileiro. Além disso, Lula, que também pleiteia ser o primeiro brasileiro a receber um Nobel, dificilmente cederia espaço a qualquer outro compatriota.
Em declarações à coluna, Isak Svensson prognostica que, em uma das próximas edições, o Nobel da Paz deverá ser atribuído a iniciativas ligadas ao desarmamento, seja no formato nuclear (como aconteceu com o Nobel de 2005), seja apoiando indivíduos ou organizações que se opõem à robotização da guerra ou ao emprego de inteligência artificial em conflitos armados.
Se for esse o caso, o histórico de Moraes como secretário de Segurança Pública de São Paulo e como ministro da Justiça de Temer não é auspicioso. Ficou conhecido por defender o corte do investimento público em pesquisa sobre segurança pública e o fortalecimento do armamento das polícias. Ganhou fama por ter punho de ferro e foi criticado amplamente por ativistas dos direitos humanos e entidades ligadas a políticas de segurança pública.
Talvez seja mais provável então que o primeiro Nobel brasileiro seja oriundo das ciências ou da literatura. Poderá Chico Buarque, vencedor do Prêmio Camões de 2019 e traduzido em dezenas de línguas, alcançar o Nobel?
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