Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

Os riscos de o vice-presidente Geraldo Alckmin ser nomeado ministro

Assumir ministério representaria a desvalorização institucional do cargo de vice-presidente da República

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A 3 de fevereiro de 2022, a mídia noticiou que Lula ofereceu a Alckmin o comando do ministério da Agricultura. Foi a primeira especulação. Depois seria a Defesa. Ou a Fazenda. Até o Meio Ambiente.

Nas próximas semanas, listas de nomes de ministeriáveis aparecerão na imprensa como ansiolítico para todos aqueles que aguardam nervosos pela transição política.

Mas, se convidado, Alckmin não deveria aceitar acumular o cargo de vice-presidente com o de ministro. Por várias razões:

Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, eleitos presidente e vice-presidente no segundo turno das eleições - Diego Vara - 19.out.2022/Reuters

1. Representaria a desvalorização institucional do cargo de vice-presidente da República. Alckmin é um tradicionalista democrático e deputado constituinte. Se aceitar ser ministro, sinalizaria que a vice-presidência, como prevista na constituição, não tem valor institucional suficiente ou não possibilita uma amplitude contributiva que baste. Para ser relevante, a vice-presidência precisaria ser complementada com um ministério. Não seria suficiente por ela própria.

2. Criaria uma situação constrangedora, porque Alckmin passaria a ocupar um cargo executivo de nomeação e não apenas um cargo eletivo. Ou seja, estaria sujeito às regras do varejo político e partidário e à fiscalização tarefeira que Lula aplicará aos seus ministros.

E, se o desempenho do vice-presidente como ministro não satisfizer o Presidente, como irá Lula demiti-lo sem atiçar uma crise institucional ou humilhar publicamente o seu vice-presidente?

E, se o desempenho for notável, como conviverá o presidente com uma celebridade política tão perto de si, muito mais próximo institucionalmente do que qualquer outro ministro?

3. Acarretaria dificuldades administrativas. Como vice-presidente, com acesso a informações privilegiadas e sensíveis sobre a condução do governo como um todo, como Alckmin aceitaria se rebaixar para discutir, como ministro, orçamentos técnicos, emendas parlamentares e planilhas de execução com o presidente?

Em que condições vai brigar por mais orçamento com outros ministros? Em que cadeira se sentaria nas reuniões ministeriais? Sobranceiro ao lado de Lula ou como empreiteiro ao lado de colegas ministros?

4. Anularia a capacidade de Alckmin de servir como o coordenador do governo, de forma transversal e piramidal. Lula terá uma agenda internacional forte, o que o obrigará a viajar com frequência.

Logo nos primeiros meses para sinalizar ao mundo que "o Brasil está de volta" (COP27 em novembro, talvez Davos em janeiro). E, nos meses seguintes, para ocupar o trono de líder do Sul Global, passando a ser novamente reconhecido como uma autoridade de envergadura planetária.

É uma forma inteligente de alavancar o seu peso doméstico e de amansar os fervores antipetistas. Se assim for, a nova política externa de Lula –preponderante, altiva, global– implica que alguém ocupe o posto de comando do país nas ausências do presidente.

Não poderá ser o Chefe da Casa Civil. Ou qualquer outro ministro. Apenas o vice-presidente, sem acumulação de cargos na Esplanada, terá autoridade para fazê-lo.

5. Dificultaria a possibilidade de Alckmin ser convocado para missões especiais, previstas na lei constitucional. Em 1995, como vice-governador de Mário Covas em São Paulo, Alckmin foi nomeado presidente do (título comprido) Conselho Diretor do Programa Estadual de Participação da Iniciativa Privada na Prestação de Serviços Públicos e na Execução de Obras de Infraestrutura.

No ano seguinte, assumiu a presidência do Conselho Diretor do PED (Programa Estadual de Desestatização). A partir de 2023, como vice-presidente, se não acumular um cargo ministeriável, Alckmin poderá assumir funções transversais semelhantes em áreas que domina.

Existe um precedente no Brasil de um vice-presidente acumulando um ministério? Sim. Como tem sido noticiado, José Alencar também foi ministro da Defesa de 2004 a 2006.

Mas o contexto era muito diferente. Na ocasião, o objetivo foi aplicar temporariamente o peso do Estado, na figura do vice-presidente, para apagar um fogo ameaçador que começava a alastrar no ministério.

As forças armadas insistiam na defesa da ditadura militar e dos seus órgãos de repressão e o anterior ministro, José Viegas Filho, confrontava os generais, soltando mais labaredas.

Em crônica na Folha de 9 de novembro de 2004, Carlos Heitor Cony descreveu a nomeação de Alencar como "inteligente e oportunista –no bom sentido." O mesmo jornal mencionou que, na cerimônia de tomada de posse, um deputado carioca cochilou durante os discursos de Lula e Alencar.

Não ouviu o então presidente afirmar que gostaria que "a gente pudesse terminar este governo mais irmanado do que qualquer outro momento da nossa história, entre sociedade civil e os militares brasileiros."

Em nível internacional, são muitos os exemplos de ministros que foram nomeados também para cargos de ascendência institucional. Atualmente, o governo espanhol possui quatro vice-presidências. O anterior governo de Antônio Costa em Portugal tinha quatro ministros de estado, uma espécie de vice primeiros-ministros.

Mas são cargos nomeados, não eleitos como o caso brasileiro; e são países regidos por sistemas parlamentaristas ou semipresidencialistas, não presidencialistas como o brasileiro.

Alckmin não pode baixar o pé direito da sua biografia aceitando ser ministro. Em um momento de balbúrdia institucional, rachaduras fraticidas entre brasileiros e escassez de retidão ética, é preciso mostrar lisura e sobriedade, em nível organizacional e individual.

Não é o momento certo para jabuticabas e experimentações. O deputado carioca Jair Bolsonaro adormeceu quando Lula falou sobre a necessidade de irmanar o país. Mas o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ouviu o discurso bem acordado.

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