Rogério Gentile

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha, editor de Cotidiano e da coluna Painel e repórter especial.

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Justiça condena maternidade acusada de negar cesárea para economizar; bebê morreu

Hospital diz ter adotado 'as medidas cabíveis em tempo hábil, visando minimizar os riscos maternos e perinatais'

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O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Maternidade Santa Izabel, de Bauru, no interior paulista, a pagar uma indenização de R$ 200 mil aos pais de uma bebê que morreu 16 dias após o parto, em 2016.

Os pais acusaram a instituição de ter se recusado a fazer uma cesariana, a despeito de, segundo eles, haver recomendação médica. Disseram também que a gestante pediu ao hospital que fosse realizada a cesárea após a constatação de que os batimentos cardíacos da bebê estavam muito fracos.

Logo após o parto normal, a criança foi encaminhada para a UTI e acabou morrendo por anóxia neonatal grave (ausência ou diminuição de oxigênio no cérebro durante o nascimento), segundo o atestado de óbito.

A suspeita do casal é a de que a maternidade tenha optado por fazer o parto normal por questões financeiras —a cesárea é um procedimento mais caro.

Fachada da Maternidade Santa Isabel, em Bauru, no interior de São Paulo
Fachada da Maternidade Santa Isabel, em Bauru, no interior de São Paulo - Reprodução/Maternidade Santa Isabel

De acordo com documento anexado ao processo, o protocolo de atendimento vigente na instituição estabelece como meta "a redução do número de cesarianas, pois caso estas metas não sejam cumpridas, poderá haver prejuízo financeiro a toda instituição e, consequentemente, ao corpo clínico".

O advogado Bruno Biancafiore, que representa o casal, disse à Justiça que a falha no atendimento prestado causou a morte do bebê.

Segundo ele, o primeiro médico que atendeu o casal havia recomendado a realização da cesárea. Mas, quando houve a troca do plantão, a nova médica optou pelo parto normal, ignorando as solicitações do casal.

"O laudo elaborado pelo IML [Instituto Médico Legal] demonstra que, caso o direito da parturiente à cesárea fosse respeitado, o desfecho seria outro."

Na defesa apresentada à Justiça, a Maternidade Santa Izabel afirmou que "todas as medidas cabíveis foram tomadas em tempo hábil, visando minimizar os riscos maternos e perinatais".

Disse que todo o atendimento foi prestado de forma eficiente e com a utilização da "melhor técnica cabível para o caso". "Não houve qualquer tratamento ineficiente ou desumano por parte dos prepostos da maternidade."

Destacou também que "um laudo pericial não indicou erro e responsabilidade no caso", sendo que houve uma "morte natural por insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas".

"Não houve em hipótese alguma culpa por parte da equipe médica."

A médica responsável pelo parto se defendeu no processo argumentando que não houve pedido expresso ou formal para a realização do procedimento cirúrgico.

Declarou também que, antes da realização do parto, o quadro do bebê se agravou repentinamente e em condições imprevisíveis do ponto de vista técnico e médico.

Em situações como essa, disse, o médico deve optar pela via mais rápida. "Ficou claro que a via mais rápida era a via vaginal, ou seja, não haveria sequer tempo de preparar o centro cirúrgico entre o início da ocorrência e o nascimento", disse sua defesa à Justiça.

"Todos os procedimentos foram seguidos à risca, segundo a melhor prática médica", afirmou. "Seguindo, inclusive, a determinação da instituição acerca da priorização do parto normal em detrimento do parto cesárea, o que nada mais é do que o reflexo das próprias normas do Ministério da Saúde".

Os argumentos não convenceram a Justiça, que condenou a instituição e a médica em primeira e segunda instância ao pagamento de R$ 200 mil por danos morais, valor que será acrescido de correção monetária e juros.

O desembargador Galdino Toledo Júnior, relator do processo, destacou na decisão que resolução do Conselho Federal de Medicina estabelece que é direito da gestante, em determinadas situações, optar pela cesárea.

"A alegação de que a recém nascida tinha problema cardíaco desconhecido não afasta a conduta médica inadequada de deixar de atender o pedido legítimo da autora [do processo], legalmente amparada, violando a sua dignidade, bem como reduzindo as chances de sobrevivência de sua filha que veio a óbito", afirmou.

"Chama atenção a demonstração de que o protocolo vigente na maternidade era a realização do parto normal para atendimento de metas, com justificativa de se evitar prejuízos financeiros à instituição e ao corpo clínico."

A instituição e a médica ainda podem recorrer da decisão.

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