Rogério Gentile

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha, editor de Cotidiano e da coluna Painel e repórter especial.

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Descrição de chapéu Folhajus

Tela atribuída a Anita Malfatti some de ateliê: restaurador terá de pagar R$ 300 mil

O restaurador ainda pode recorrer da decisão

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O restaurador Stephan Schafer foi condenado pela Justiça paulista a pagar uma indenização de R$ 300 mil ao fotógrafo Thomas Baccaro pelo desaparecimento de uma tela atribuída à pintora Anita Malfatti (1889-1964), uma das pioneiras do movimento modernista brasileiro.

Baccaro ganhou o quadro, um óleo sobre tela de 112 cm x 146 cm, em 1994 de presente do seu pai, o marchand Giuseppe Baccaro.

A obra estava coberta por uma camada de tinta branca. No relato feito pelo fotógrafo à Justiça, um especialista identificou em 2009, abaixo da camada branca de tinta, cores vivas e imagens de flores.

Um exame de raio-x revelou também a existência de uma outra pintura, em uma terceira camada, na qual o tema central é a figura de três moças, sendo que a da frente, com um vestido longo, tem um jarro apoiado na cabeça.

No canto direito abaixo da obra e na horizontal foi identificada uma assinatura composta inicialmente pelas letras "NA", pela letra "M" no meio e pelas letras "TTI" ao final.

Anita Malfatti
Retrato da pintora Anita Malfatti quando jovem - Domínio público

Em 2017, sempre de acordo com as informações do processo, o fotógrafo soube do trabalho do restaurador alemão Stephan Schafer, reconhecido no mercado das artes por se utilizar de modernos processos para a limpeza, recuperação e tratamento de obras artísticas.

Baccaro levou, então, a obra para o ateliê do restaurador, localizado no Itaim Bibi, em São Paulo, e foi avisado de que o trabalho demoraria para ser realizado, em razão da complexidade.

Cerca de quinze meses depois, ao se encontrar com o restaurador em um evento de artes plásticas, soube das "más notícias": a obra havia desaparecido, extraviada quando o ateliê mudou de endereço ou simplesmente furtada.

Documento que faz parte do diário de Anita Malfatti, com depoimentos da artista registrados em 1914 - Keiny Andrade/Folhapress

O fotógrafo acusou o restaurador de "negligência" e pediu uma indenização estimada em R$ 1,2 milhão, considerando a fama da autora, a raridade da tela e o seu tamanho.

"É evidente a sua responsabilidade", afirmaram à Justiça os advogados Luiz Duarte Júnior e Alessandra Rayes, que representam o fotógrafo.

Ao se defender no processo, o restaurador afirmou não ter cometido qualquer ato ilícito e que não agiu com negligência.

Ele disse que o ateliê era protegido por um sistema de alarme conectado a uma central, com sensores de movimento, mas que nenhum sinal de invasão foi detectado.

Segundo o restaurador, em razão disso, conclui-se que a obra foi furtada de dentro do estúdio por alguém que tivesse livre acesso a ele.

"O réu [o restaurador] lamenta a fatalidade do furto, que prejudicou ambos. No entanto, é necessário reconhecer que nenhuma das partes foi culpada pela perda do bem", declarou à Justiça o advogado César Pereira, que o representa.

O restaurador disse no processo não haver nenhuma prova de que a tela que lhe foi entregue era de Anita Malfatti. "Não há qualquer vestígio que possa sugerir seriamente que ela seria a autora", declarou.

Segundo Schafer, o valor atribuído à obra é "fantasioso e implausível". Ele disse estranhar o tempo que o fotógrafo levou para tentar restaurar a obra, considerando que disse tê-la ganhado em 1994.

"Se houvesse a mínima chance de a obra ser tão valiosa como alega, não teria medido esforços para encontrar rapidamente alguém competente o suficiente para realizar a restauração", afirmou no processo. "Com o devido respeito, a existência de uma obra valiosa era apenas uma hipótese — fantasiosa e sem nenhuma corroboração nos fatos."

A juíza Thania Cardin disse na sentença que o restaurador falhou no dever de guardar a tela e que tratou o caso como se o furto fosse uma mera fatalidade.

"O furto não consiste num evento imprevisível, e sim previsível em se tratando de uma obra de arte", disse.

A magistrada citou na decisão uma perícia judicial, feita com base em registros fotográficos do quadro. De acordo com ela, as provas colhidas no processo mostram "que havia chance séria e real de que a tela desaparecida ocultasse obras de Anita Malfatti".

"Há registro histórico de que o pai do autor [do processo] teria mesmo adquirido número considerável de obras de Anita. Os elementos da tela apontam para um estilo que conversa com o seu. E a reutilização de telas era mesmo uma prática recorrente da artista."

Os valores da condenação serão atualizados por juros e correção monetária.

O restaurador ainda pode recorrer.

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