Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu Previdência

O perigo da troca da assinatura por selfie nos consignados previdenciários

É muito mais fácil encontrar foto de uma pessoa na internet, a fim de usar indevidamente, do que sua assinatura

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Se com a exigência da assinatura já era grande os casos de empréstimo consignado fraudulento no país, imagine agora com a expansão de nova modalidade de empréstimo à distância apenas com a validação por fotografia do aposentado. Cada vez mais a celebração do empréstimo está sendo feita por ligação telefônica e uma singela selfie em substituição da tradicional assinatura. Da mesma forma que o desenho da assinatura era essencial para legitimar a vontade e, mesmo assim, se desvirtuava, a contratação via biometria facial não é prova inequívoca do desejo de contrair empréstimo.

A insegurança não é a biometria facial em si. Pelo contrário, cada ser humano tem traços faciais únicos que o distingue do outro. São mais de 80 pontos nodais que comporta uma face, a exemplo da distância entre os olhos, o comprimento do nariz, a curvatura dos lábios, as cicatrizes etc. Um narigudo, por exemplo, ao fazer a biometria facial terá a segurança de não ter seu nariz confundido com o de outro.

O problema consiste em saber se aquele narigudo autorizou assumir a dívida tal qual foi entabulado no contrato, considerando o montante do empréstimo, a taxa de juros, o parcelamento, o percentual da margem consignável, o refinanciamento etc. Não é incomum ser feito um ajuste verbal e no contrato rezar algo totalmente diverso. A exemplo do que ocorre nos contratos de empréstimos com assinatura, na biometria facial não será diferente. Afinal, são perenes os problemas de o brasileiro não lerem as letras miúdas do contrato, situação agravada principalmente quando o negócio é feito à distância por ligação telefônica, além do fato de o INSS não fazer controle rigoroso de cada empréstimo feito no Brasil.

Imagem mostra prédio espelhada com logo da Previdência Social
Fachada do prédio da Previdência Social em Brasília - Antonio Molina - 4.jan.22/Folhapress

Considerando a avalanche mensal de empréstimos em todo país, o INSS costuma adotar a lógica de priorizar intervir no caso quando se depara com um problema ou contestação de fraude. Sai mais barato para a autarquia resolver os casos pontuais do que analisar meticulosamente todos os empréstimos realizados nacionalmente.

O assunto também é polêmico pois tradicionalmente o Código Civil fixa que a assinatura, física ou digital, é elemento básico para a anuência ou a autorização necessária à validade de um ato, provando que determina pessoa assumiu uma obrigação. A novidade de usar a fotografia do aposentado no lugar da assinatura traz um apelo visual grande, pois, embora também seja possível editar e manipular fotografias a partir de redes sociais por exemplo, a imagem do cidadão gera convencimento de que realmente ele estava desejoso em se endividar.

Seja numa negociação presencial ou por telefone, a realização de autorretrato como forma de validar o empréstimo consignado é uma facilidade que pode ampliar as fraudes, como se não bastasse o contingente de ilicitudes da forma tradicional. É muito mais fácil você encontrar a imagem de uma pessoa estampada nas redes sociais ou na internet, a fim de usar indevidamente, do que a sua assinatura. Atentos a isso, multiplicam-se os casos de fraudes em contrato de empréstimo consignado usando a selfie como elemento central de discussão.

Tradicionalmente, como o Instituto Nacional do Seguro Social não costuma analisar fielmente milhares de empréstimo no país, é possível o empréstimo ser feito com a biometria de pessoa totalmente diferente. Depois que o dinheiro é liberado e sacado, muito tempo depois é que se descobrirá a discrepância facial. Há também a fraude usando selfie antiga. Um aposentado resolve fazer uma selfie para um empréstimo legítimo e consciente, mas essa mesma foto fica arquivada no correspondente bancário ou instituição financeira. Assim, algumas quadrilhas estão usando o retrato antigo para validar novos empréstimos, à revelia do aposentado.

Portanto, é muito arriscado chancelar ou aferir o contrato de empréstimo como a expressão de vontade do aposentado, seja por meio eletrônico e da biometria facial, mediante envio de "selfie", principalmente considerando que o INSS não tem tempo para analisar cada contrato. Logo, da maneira como o assunto está sendo tratado atualmente, a confiabilidade que encerra a biometria facial termina não adiantando muito, pois, se os traços nodais não costumam ser checados, além de outros elementos de segurança que deveriam respaldar os contratos, não adiantará essa tecnologia como argumento de segurança nos contratos de mútuo.

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