Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
Descrição de chapéu inss casamento

Como fica a divisão da pensão por morte numa família trisal?

No RS, juiz reconheceu união estável e pontuou que deve ter proteção do Estado

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Recentemente, o Tribunal de Justiça gaúcho reconheceu a união de trisal, formada por um homem e duas mulheres, sendo uma delas já grávida. Depois dessa conquista, o bebê de uma das mulheres deve ser registrado com o nome dos três. Com a chegada da criança, esse fato pode gerar repercussão na área previdenciária, seja em razão da necessidade de pagar o salário-maternidade, seja para conceder pensão por morte. E como ficaria a divisão do benefício previdenciário com tanta gente envolvida?

Embora estejamos citando um exemplo de trisal, existem uniões poliafetivas que possuem outras combinações, com quatro, cinco, seis pessoas, o que pode aumentar a complexidade dos seus efeitos na aplicação da solução jurídica e da lei previdenciária, esta ainda não adaptada para esse tipo de situação.

Da mesma forma que as pessoas que vivem em relacionamento pluriafetivo têm dificuldade em contornar o problema da falta de amparo legal no âmbito do direito de família, no previdenciário também há esse empecilho.

Trisal de Londrina (PR) logo após o parto de Henrique - Arquivo Pessoal

"O que se reconhece aqui é uma única união amorosa entre três pessoas: um homem e duas mulheres, revestidas de publicidade, continuidade, afetividade e com o objetivo de constituir uma família e de se buscar a felicidade." Com esse entendimento, o juiz da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo, Gustavo Borsa Antonello, reconheceu a união estável poliafetiva e pontuou que, mesmo não sendo uma família nos modelos tradicionais, não deve ficar sem proteção do Estado.

Enquanto não há mudança das normas, os integrantes de relações pluriafetivas (e seus dependentes) se submeterão ao risco de ficar sem a devida cobertura previdenciária, além de outras implicações nas áreas, por exemplo, de família e de sucessão. Ficarão a mercê do entendimento e da sensibilidade do magistrado que for julgar o caso.

Numa situação convencional, a pensão por morte deve ser dividida para o conjunto de dependentes previdenciários. Se existir marido, esposa ou filhos menores de 21 anos (ou maiores, se inválidos), a prioridade é fazer o rateio neste núcleo familiar. Se não existir, a divisão é direcionada aos genitores. Se não forem vivos, os irmãos podem receber. Qualquer composição familiar que saia deste quadrado (legal), deve enfrentar celeumas, problemas e riscos de alguém ficar sem sua parte.

Audhrey, Eustáquio e Rita, de Belo Horizonte, que vivem juntos desde 2007 - Bruno Figueiredo/Folhapress

Se considerarmos o caso gaúcho, um trisal formado por um homem, duas mulheres e um filho, pode ficar alguém de fora da cobertura previdenciária. Se o homem, por exemplo, morre, restariam duas mulheres e uma criança para disputar a cota da pensão por morte, quando atualmente o Supremo Tribunal Federal rejeita reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas. O assunto não tem tratamento legal, ficando a cargo do entendimento administrativo e/ou judicial para dirimir as soluções de cada caso.

Correria o grande risco de a cota da pensão por morte ser dividida entre a mãe biológica e a criança, ficando sem receber nada a outra mulher.

Como os nossos políticos costumam ser lerdos na produção normativa e também no seu aperfeiçoamento, provavelmente o Judiciário –ao recepcionar as questões práticas dos brasileiros– deve iniciar a se deparar com esse tipo de problema.

No passado, o STF assumiu a dianteira por exemplo ao reconhecer a validade do casamento civil ou da união estável por pessoas do mesmo sexo, já que até então era omissa a norma previdenciária. Por outro lado, a mesma corte tem atualmente entendimento para não tolerar a concretização de união estável com pessoa já casada, sob pena de se configurar a bigamia, tirando assim o direito de a concubina dividir pensão com viúva.

Em outros assuntos, por sua vez, o INSS admite um posicionamento mais flexível quando se trata de indígenas. No âmbito administrativo ele tem aceitado o reconhecimento da convivência simultânea (poligamia) nos casos de tribos que vivem em poliandria indígena, respaldando esse direito em Memorando Circular Conjunto n. Dirben 16/2016, mesmo não existindo lei específica.

Nesse ponto, o Supremo –em sintomia com as mudanças comportamentais da sociedade– precisa revisitar seus paradigmas para dar proteção constitucional e social às pessoas que vivem em relacionamentos pluriafetivos, a fim de que seus dependentes possam receber em segurança a pensão por morte, nem que seja se inspirando no que já vem praticando o INSS na solução dada aos indígenas que vivem em poliandria.

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