Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Rômulo Saraiva
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Autismo e o drama de quem é classe média para ter acesso ao BPC

INSS é rigoroso com oferta do benefício, sobretudo para famílias que não são extremamente pobres

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A depender do grau do transtorno do espectro autista e da gravidade do comprometimento, a dificuldade para uma família que tem criança diagnosticada com autismo pode aumentar bastante. Os gastos também.

A severidade dos sintomas, o nível de dependência e a necessidade de suporte familiar e profissional são alguns dos aspectos que influenciam nas despesas familiares.

Embora a lei garanta que qualquer brasileiro, independentemente da idade, possa ganhar o BPC (Benefício de Prestação Continuada) no valor de um salário mínimo mensal, desde que prove ter deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, na prática trata-se de benefício com bastante rigor de ser conquistado no INSS, sobretudo para famílias de classe média.

O benefício existe desde 1993, mas nos últimos anos tem sofrido um bombardeio de alterações normativas para dificultar os requisitos de elegibilidade do benefício de prestação continuada.

Desde sua edição inicial, foram dezenove intervenções por meio de lei ou decreto nos anos de 1994, 1995, 1998, 2001, 2003, 2005, 2007, 2008, 2009, 2011, 2014, 2015, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024.

No intervalo de a cada um ano e meio, em média, costuma-se mexer na principal lei que regula as concessões do benefício assistencial.

Em outras palavras, o governo federal —por meio do poder legislativo— vem ressignificando o conceito de pobreza para que somente os extremamente pobres ou miseráveis possam conseguir o BPC.

Ao fazer isso, o rigor normativo termina distanciando a classe média de fruir do benefício assistencial. Até mesmo famílias pobres enfrentam obstáculos em conseguir.

Independentemente da classe social, o autismo é uma doença que costuma mobilizar toda a família para melhorar as condições do cuidado do portador da doença.

Não é raro o pai ou a mãe pedir demissão do emprego para se dedicar com exclusividade ao tratamento de criança ou adolescente, bem como reduzir a jornada de trabalho para conciliar as demandas.

Além do cuidado em casa e do custo com a medicação, o transtorno do espectro do autismo pode exigir do paciente cuidado de diferentes profissionais, a exemplo de médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e pedagogos, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida, a evolução do tratamento e a autonomia do paciente.

Mesmo considerando que o Sistema Único de Saúde é gratuito, é comum os familiares de paciente com autismo tenham despesas elevadas não cobertas pelo SUS.

Basicamente, são dois os principais requisitos para receber o BPC: a deficiência (termo usado na lei) de saúde importante e a situação econômica.

O primeiro requisito, provar a própria doença, é mais objetivo e se relaciona com o estágio do autismo. Para efeito de concessão do BPC, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Pessoas com maior gravidade do comprometimento, autismo moderado ou severo, em tese têm mais facilidade em se enquadrar no requisito da deficiência.

É preciso levar em consideração que, nos casos de crianças e adolescentes que são legalmente impedidas de trabalhar, é levada em consideração não a incapacidade laboral, mas a repercussão que a doença causa na abdicação dos pais no exercício profissional e o impedimento de longo prazo.

O segundo requisito é o mais problemático, principalmente para a classe média. O INSS costuma fazer uma investigação social e econômica para saber o nível de pobreza, em que se avalia a renda de todos que moram na mesma casa e o nível de despesas.

O referencial normalmente para aferir esse critério é se cada integrante da residência supera a renda de um quarto do salário mínimo.

Caso a família tenha despesas elevadas com tratamento de saúde, essa situação deve ser provada e considerada na análise do pedido de BPC, a fim de mostrar que, embora os integrantes da residência possam ganhar bem, o salário é consumido pelos gastos com o tratamento do autismo.

Embora não seja obrigatório, é importante o interessado estar inscrito no CadÚnico, cadastro do governo federal, utilizado para definir o núcleo familiar e a renda da família, informações utilizadas durante a análise e o estudo social para o reconhecimento do BPC.

Aqui, de início, o formulário principal de cadastramento do CadÚnico já é um divisor de classe social. A minúcia de dados do formulário se atém a informações desde o material usado no piso do domicílio (a exemplo de cerâmica, terra, madeira aproveitada), a coleta do lixo (se ele é queimado, jogado no rio ou coletado diariamente), o sanitário usado pela família (vala a céu aberto, no rio ou rede coletora) e se alguém desvia a energia elétrica (energia com medidor ou sem, óleo, querosene ou vela).

Pelas perguntas constantes no formulário do CadÚnico se percebe a expectativa de quem deva ser o perfil do recebedor do benefício assistencial, que deve residir em moradia muito simples.

A análise da renda familiar e do padrão social e econômico da família costumam ser medidos para atender ao critério de "pobreza" ou "miserabilidade", o que nem sempre é atendido pelas pessoas que vivem na classe média e têm toda sorte de despesa com o tratamento do autismo.

Uma forma de atenuar esse rigor excessivo é instruindo o pedido do BPC com o máximo de despesas relacionadas ao tratamento do autismo.

Mesmo que cada integrante do grupo familiar possa ter renda per capita acima de um quarto do salário mínimo, a consideração das despesas pode diminuir essa diferença na análise dos aspectos socioeconômicos e familiar do requerente.

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade. Ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo.

Como a lei que regulamenta a concessão do BPC vem se tornando cada vez mais rigorosa com o passar do tempo, fica mais difícil pessoas de classe média, e têm algum filho ou parente com autismo, ter acesso na esfera administrativa a renda de um salário mínimo para ajudar nas despesa do tratamento médico.

Mas, no âmbito judicial, considerando que vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, é possível ter mais sensibilidade do julgador ao deferir o benefício assistencial para uma criança ou adolescente com autismo, a fim de ajudar no custeio das despesas daquela família.

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