Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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'Morte fictícia' dos militares é mais vantajosa que a morte biológica no INSS

Enquanto maioria da população sofre com reformas austeras, argumento de sustentabilidade financeira poupa militares

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Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

No Congresso Nacional ou no Poder Judiciário em Brasília, um argumento constantemente ecoado é o da necessidade de se preservar a sustentabilidade financeira do INSS. Vira e mexe esse tem sido o argumento de primeira hora ao encorajar decisões amargas no "salvamento" do regime geral de previdência social.

Enquanto isso, conforme noticiou a Folha, o peculiar Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas gastou R$ 25,7 bilhões com pensões em 2023, dos quais R$ 20 milhões com pensão de 238 "mortos fictícios".

Desfile do exército brasileiro nas comemorações dos 201 anos da independência do Brasil, realizado no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo. - Danilo Verpa/Folhapress

A peculiar norma militar autoriza o pagamento de pensão por morte a dependentes de "mortos fictos". Funciona da seguinte forma. O contribuinte demitido ou expulso das Forças Armadas por cometimento de algo grave será considerado "falecido" e sua família terá a pensão proporcional correspondente.

Essa espécie de "montepio em vida" tem o propósito de proteger a "viúva ficta", o "órfão ficto" ou os demais "herdeiros" que já existam no momento do falecimento fictício (o da expulsão propriamente dita), em virtude das dificuldades financeiras criadas com a quebra do vínculo do provedor da família com a fonte pagadora que o sustentava.

Para um militar ser expulso, é necessário ter sido condenado pela justiça por crime doloso, ter feito algum ato contra a moral pública e contra o pudor militar ou ter cometido falta grave, a ponto de o sujeito ser considerado indigno de pertencer às Forças. Como consequência, quando o militar expulso vir a falecer, seus dependentes previdenciários não ficarão desamparados.

Em outras palavras, o militar que for expulso das Forças Armadas, perdendo seu posto, na prática não deixará de receber da União, transmitindo em vida a pensão proporcional ao tempo de serviço para seus dependentes.

Numa situação hipotética, seria o mesmo de o INSS pagar uma pensão por morte aos dependentes de um empregado demitido por justa causa. No âmbito do Regime Geral da Previdência Social, as regras são infinitamente mais duras. Para o dependente receber o benefício previdenciário, a morte necessariamente precisa ser verdadeira, a viúva só vai ganhar 60% da renda e o "de cujus" (o falecido) precisa ter a qualidade de segurado, isto é, precisa estar aposentado ou estar pagando a contribuição previdenciária momentos antes de morrer. Se não existir a qualidade de segurado, os familiares do falecido vão passar por necessidades financeiras.

É verdade que esse tipo de benefício militar sofreu mudanças ao longo dos anos. O Decreto 695/1890, que criou o montepio militar, foi regulamentado em 1939 e depois em 1960 para garantir pensão aos familiares de ex-militar expulso por falta grave. Em 2001, a pensão por morte "ficta" deixou de ser vitalícia para os filhos e limitou até 21 anos de idade ou, se estudante, 24 anos. Também foi prevista a necessidade de um desconto adicional de 1,5% na folha salarial. Em 2019, houve aumento das contribuições mediante desconto mensal em folha de pagamento, tanto para os militares das Forças Armadas quanto para seus pensionistas.

Todavia, mesmo com todas essas reformas, são mudanças muito brandas em relação às regras de custeio, acesso ao benefício e, sobretudo, ao valor da pensão por morte quando se compara, por exemplo, com a realidade normativa enfrentada pelas famílias que dependem da pensão por morte do INSS.

Não se entende razoável que a maioria esmagadora da população sofra com reformas austeras no Instituto Nacional do Seguro Social e também no regime previdenciário dos servidores públicos federais, enquanto se tolera institutos jurídicos generosos em outros regimes previdenciários.

É algo peculiar que não existe na maioria dos regimes previdenciários. Somente em regimes previdenciários minoritários se localiza tais benevolências normativas, como no caso dos militares, dos juízes e membros do Ministério Público.

No caso militar, o indivíduo pratica crimes, é julgado, condenado, expulso das Forças Armadas, mas seus familiares (por extensão, ele próprio) continuam usufruindo proporcionalmente de uma renda. No caso dos juízes, ainda é mais absurdo, porque o próprio titular vai receber a aposentadoria e, se ocorrer a morte biológica, também receberá a renda.

Sob o ponto de vista da moralidade, da razoabilidade e da isonomia, esse tipo de benefício pensional é um privilégio injustificado. É ruim até para os próprios militares, pois estimula que maus militares cometam infração ou crime, pois, em caso de expulsão da corporação, sabem que vão ganhar uma renda extra, além de ficarem desimpedidos para realizar outras atividades laborativas.

Por meio de provocação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o assunto chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7.092/DF, que questionava a Lei 13.954/2019 e as alterações do Estatuto dos Militares e da reforma dos militares temporários.

Infelizmente o STF entendeu que a diferenciação de tratamento dos militares era algo razoável e constitucional. Apesar dos gastos expressivos em bancar aposentadorias de juízes e militares, o argumento da sustentabilidade financeira parece que só é lembrado ao analisar as demandas do INSS.

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