Rômulo Saraiva

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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Como é a Previdência do país com maior número de idosos?

Japão tem altas despesas previdenciárias sem ser agressivo com o contribuinte; veja diferenças entre o país e o Brasil

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Atento aos comentários dos leitores, este colunista resolveu abordar algo mais propositivo e enfrentar alguns pontos inquietantes do ponto de vista previdenciário: a longevidade do brasileiro, o aumento da clientela do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o impacto das despesas previdenciárias. Tudo isso resvala no envelhecimento da população e a (in)sustentabilidade das contas da Previdência. Sendo assim, o presente artigo leva em consideração o cenário extremo do Japão, o país do mundo com uma das maiores longevidades, embora o parâmetro etário de aposentação seja semelhante ao do Brasil.

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Fachada de prédio do INSS no Viaduto Santa Ifigênia, centro - Zanone Fraissat/Folhapress

O país com a população mais velha do mundo tem como desafio a sustentabilidade de um sistema previdenciário que necessita custear um exército de longevos. Portanto, em se tratando de abaulamento da pirâmide demográfica e seus gastos, o presidente do "INSS japonês" talvez seja a pessoa com maior desafio no globo terrestre. É uma referência para os outros regimes previdenciários do mundo, pois o Japão lida com uma realidade no seu sistema previdenciário, a qual países jovens, como o Brasil, irá se deparar.

Mas nem por isso a Previdência japonesa tem sido tão dura com o trabalhador que precisa se jubilar. Pelo contrário, houve uma contrarreforma alterando a carência de 25 anos para 10 anos de contribuição, a fim de facilitar que mais pessoas ao atingirem 65 anos se aposentassem. E olha que não são poucas. E um terço da população tem mais de 65 anos.

O Japão tinha uma população de 123,3 milhões de habitantes em 2023, tinha uma expectativa de vida de 61 anos na década de 50, alcançou a marca de 85 anos em 2023 e em 2100 tem a projeção de bater 94,2 anos. Já no Brasil a população projetada pelo IBGE para 2024 é de 217 milhões de habitantes, com expectativa de vida em 1950 de apenas 46,8 anos e, conforme recenseamento de 2022, o brasileiro vive em média 75,5 anos.

Na lista mais recente do FMI (Fundo Monetário Internacional), o PIB do Japão em 2023 é de US$ 4,2 trilhões, ocupando a quarta economia do mundo, enquanto o PIB brasileiro é de US$ 2,1 trilhões. Em outras palavras, o PIB do Japão é o dobro do Brasil.

Portanto, tem mais capacidade de gasto em despesas previdenciárias, mas em compensação os valores nominais praticados são proporcionalmente maiores. De acordo com o Trading Economics, o salário médio mensal do país é 446 mil ienes, o que equivale a cerca de R$ 14 mil. No Brasil, a média salarial japonesa é quase o dobro do teto máximo da Previdência Social, atualmente em R$ 7.786,02.

A pujança econômica do Japão é totalmente diferente do Brasil. Portanto, o caixa do Tesouro Nacional japonês é mais elástico. Comparar dois países tão diferentes do ponto de vista econômico e cultural não é tarefa fácil, mas importante considerando as dificuldades que teremos no futuro. Revela-se que é possível a proteção social e a dignidade previdenciária andarem juntas, mantendo um sistema de pensionamento sem tanta agressividade nas regras de acesso aos benefícios. Vejamos as comparações:

Envelhecimento

Há anos o Japão é o protagonista na expectativa de vida mundial. Atualmente a expectativa de vida do japonês é de 85 anos, enquanto a do brasileiro é 10 anos a menos (75,5 anos). Na terra do sol, o índice de habitantes com 65 anos ou mais (29,1%) é o mais alto do mundo, o que corresponde a cerca de 41 milhões de habitantes que já têm elegibilidade etária para se aposentar.

Esse envelhecimento, além de trazer mais despesas previdenciárias, também afeta a mão de obra no mercado de trabalho e implica na queda do crescimento econômico.

Idade de aposentadoria

Um dos principais argumentos de toda reforma previdenciária é, além do envelhecimento populacional, a chamada aposentadoria precoce.

Apesar da expectativa de vida do japonês ser 10 anos maior que a do brasileiro, os requisitos das aposentadorias japonesas se aproximam com o modelo do INSS. Enquanto no Brasil o homem precisa ter 65 anos de idade e a mulher 62 anos, com o mínimo de 15 anos de contribuição, no Japão a Aposentadoria por Idade (rourei nenkin) admite que ambos os sexos tenham 65 anos de idade e o mínimo 10 anos de pagamento, embora o valor integral é viabilizado só para quem contribuiu por 40 anos. Em 2020, o valor integral correspondia a R$ 25.600,00. Lá o aposentado japonês vive mais e gera maiores despesas que o brasileiro.

Carência

O requisito para se aposentar no Japão era de 65 anos de idade, homem ou mulher, e ter contribuído no mínimo 25 anos ao Sistema Nacional de Pensão do Japão. No entanto, em 2016 uma contrarreforma diminuiu o tempo mínimo de contribuição para 10 anos, aumentando o número de pessoas que possam se aposentar. Uma alteração desse naipe, abrandando a carência, aqui no Brasil é incogitável. As mudanças estruturais no sistema normativo do INSS são em sua maioria enrijecendo os requisitos de acesso ao benefício previdenciário.

Pecúlio

O sistema previdenciário do Japão também admite a devolução de contribuição previdenciária. Uma espécie de pecúlio, que reembolsa os empregados (inclusive estrangeiros) que recolheram por poucos anos e recebem uma parte de volta. Aqui no Brasil também existia essa forma de ressarcimento do que foi gasto com a contribuição previdenciária, mas foi extinto no INSS desde 1994 com a promessa de que voltaria um dia, o que nunca aconteceu. Apesar do envelhecimento da população, há outros custos que repercutem na arrecadação da previdência japonesa.

Idade para começar a recolher

De acordo com as regras da Previdência Social brasileira, a necessidade de pagar contribuição previdenciária começa para pessoas mais novas. No INSS, qualquer segurado obrigatório que exerce atividade urbana ou rural tem a idade mínima para se filiar de 16 anos, exceto para menor aprendiz, que é de 14 anos. No Japão, no caso da pensão básica (kiso nenkin), a necessidade de pagamento da contribuição previdenciária envolve autônomos ou estudantes maiores de 20 anos.

Alíquota da contribuição previdenciária

O financiamento do sistema de seguro assistência ao idoso do Japão conta com fundos do governo nacional, de cada governo local, do governo de cada distrito e das contribuições previdenciárias, sendo a do empregado na faixa de 18,3% a título de taxa da previdência social e do empregador também pagando percentual equivalente.

Aqui no Brasil há um cardápio de contribuições previdenciárias, nutrido pela lógica de que quem recolhe menos recebe proporcional, com alíquotas simplificadas de 5% e 11%. Todavia, em situação normal o contribuinte individual recolhe com 20% dos seus ganhos, respeitando o teto máximo, e o segurado empregado varia de 7,5% a 14%, com a participação do empregador.

No Japão, não há tanta diversidade de várias alíquotas previdenciárias. Considerando o índice de percepção de corrupção baixo daquele país, dificilmente o sistema de arrecadação previdenciária encontra dificuldade de evasão de recursos ou a banalização dos crimes de sonegação previdenciária ou de apropriação indébita previdenciária por parte de empregadores e do próprio governo, infelizmente tão recorrente aqui no Brasil.

Reformas e segurança jurídica

Com tanto idoso precisando de renda, poderia se pensar que o sistema previdenciário do Japão tem mais mudanças que o brasileiro, correto?

É inegável que o envelhecimento populacional japonês traz implicações nas contas públicas e nas contas do Tesouro Nacional, principalmente as despesas previdenciárias. Por isso, ajustes e reformas previdenciárias são cíclicos. Mas, ao fazer uma análise da prestação previdenciária japonesa, comparada ao do INSS, a velocidade de mudança é bem menor.

Com intenso envelhecimento populacional e despesa previdenciária, era de se esperar que no Japão ocorresse um frenesi de reformas da Previdência Social. Nos últimos 30 anos, foram apenas três reformas nos anos de 1994, 2000 e 2016, sendo que esta última reduziu a carência da aposentadoria de 25 anos para 10 anos. No Brasil, nesse mesmo hiato temporal, ocorreram reformas constitucionais nos anos de 1998 (Emenda Constitucional n. 20), 2003 (EC n. 41), 2005 (EC n. 47), 2012 (EC n. 70), 2015 (EC n. 88) e 2019 (EC n. 103), sem contar as reformas no âmbito infraconstitucional, a exemplo de leis, decretos, medidas provisórias etc.

Mesmo em tese o Japão "precisando" de mais reformas previdenciárias, foram poucas nas últimas três décadas.

Seguro saúde na contribuição previdenciária

A contribuição previdenciária vertida ao Sistema Nacional de Pensão do Japão, dividida em duas faixas, não é destinada exclusivamente ao custeio da aposentadoria.

Todas as pessoas maiores de 20 anos de idade residentes no Japão devem contribuir à Previdência. Os trabalhadores empregados devem contribuir à Previdência por meio do seguro social (shakai hoken) e os que não trabalham ou trabalham com negócio próprio, através da previdência nacional (kokumin nenkin).

No caso do shakai hoken, o seguro social para trabalhadores empregados, a taxa de contribuição é descontada mensalmente do salário, incluindo a taxa do seguro de saúde e da previdência social (kousei nenkin). Esse seguro social oferece vários subsídios como assistência médica, parto e pagamento do salário durante afastamentos por doença ou ferimento não causado pelo trabalho, entre outros.

Além do seguro saúde, quem está inscrito e paga por esse seguro social (shakai hoken) estará automaticamente contribuindo para receber a pensão básica (kiso nenkin) e ao seguro de pensão aos empregados (kousei nenkin). O titular que contribuiu ao shakai hoken, ao se aposentar, receberá duas aposentadorias.

Conclusão

Brasil e Japão estão em situações extremas, com dez anos de expectativa de vida separando um do outro. Embora o envelhecimento da população e a necessidade do custeio sejam problemas inerentes a ambos. Mas ninguém pode dizer que é uma surpresa a constatação de que a população mundial está vivendo mais. Não é exatamente uma surpresa. É até algo previsível. Em todo regime previdenciário que se preze deve levar a sério a ciência atuarial, que analisa e gerencia os riscos, inclusive a elevação da expectativa de vida. Infelizmente não é o que ocorre no INSS.

O principal problema é como se preparar para ter num sistema previdenciário tantos idosos, além de se cercar de cuidados para preservar o patrimônio previdenciário. Principalmente aqui no Brasil, em que reiterados governos encontram uma maneira de tirar proveito dessa fortuna acumulada de contribuição previdenciária, seja desviando para outros fins (com a desvinculação das receitas da União), não recolhendo sua cota-parte (sonegação de governos e empresas), não cobrando a contento de quem deve (execução fiscal pífia a do INSS), desonerando a folha (para gerar mais empregabilidade), entre outros problemas que minam por décadas a arrecadação e o equilíbrio financeiro previdenciário.

O problema talvez seja a seriedade com que cada Regime de Previdência Social encare os seus desafios, envolvendo não apenas a gestão administrativa mas seus governantes. É um argumento simplista colocar na conta que o déficit previdenciário é em razão do envelhecimento, quando sabemos que as fontes de financiamento do INSS são achincalhadas de diferentes maneiras.

A tendência de envelhecimento da população não é a causa principal dos gastos previdenciários nas contas públicas brasileiras, mas a própria administração dos recursos ou sua evasão. Quando o caixa da Previdência estava cheio, não se soube reter esses ganhos para enfrentar o envelhecimento do brasileiro. A Previdência não foi previdente.

Em outras partes do mundo o envelhecimento pode até ser um desafio complexo, mas nunca foi sinônimo de inviabilidade de proteção social, como alguns cenários apocalípticos são projetados em desfavor do INSS.

Seja aqui ou no Japão, indiscutível que viver mais representa mais gasto no sistema previdenciário. O Sistema Nacional de Pensão do Japão só fez três reformas previdenciárias para ajustar esse característica estatística da população japonesa. Aqui o INSS não vem se preparando a contento para o envelhecimento do brasileiro. Agora mesmo estamos enfrentando mais uma versão da desoneração da folha que vai diminuir a arrecadação do INSS.

Enquanto este assunto não é levado a sério pelos nossos governantes, que terminam se intrometendo nas normas de arrecadação previdenciária, mais reformas previdenciárias serão o antídoto milagroso para fazer que brasileiro viva mais, mas ganhando menos.

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