Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Descrição de chapéu Folhajus

Depois da imprensa marrom, a imprensa rosa

Publicações tentam imitar aparência de jornais, mas costumam ser financiadas por entidades e conteúdo é de propaganda

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O saudoso jornalista Alberto Dines gostava de lembrar que o termo "imprensa marrom" se popularizou no Brasil em 1959 por obra do Diário da Noite, jornal do Rio de Janeiro. Na época, Dines escrevia uma matéria sobre a revista "Escândalo", que extorquia dinheiro de pessoas fotografadas em situações comprometedoras.

Dines queria usar o termo "imprensa amarela", comum nos Estados Unidos. Mas o editor achou o amarelo inofensivo demais para a matéria, que tratava de um cineasta levado ao suicídio por causa da revista. No fim a manchete ficou como "Imprensa marrom leva cineasta ao suicídio" e o termo se consolidou no país.

Corte para 2024. Uma nova cor aparece para designar um novo tipo de imprensa sem qualquer compromisso com a ética. Dessa vez a cor é o "rosa". Para ser preciso, o termo em inglês é "pink slime press" (impressa da gosma rosa). O termo se refere àquele tipo de carne ultraprocessada industrialmente vendida em lata, que tem aparência rósea e valor nutritivo miserável.

Mulher está em pé dentro de uma banca de jornal, onde há várias revistas dispostas
Banca de jornal em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Esse tipo de imprensa é um dos temas do livro "A Morte da Verdade", que o jornalista e advogado americano Steven Brill lançou no dia 4 de junho. Brill define o fenômeno como "publicações que se apresentam como se fossem veículos legítimos de imprensa, mas que seguem objetivos ocultos". Eles são em geral financiados por entidades ou pessoas que querem fazer avançar seus interesses, políticos ou econômicos. Para aumentar as chances de sucesso e disfarçar que tudo não passa de propaganda, assumem a aparência de veículos de mídia independentes.

Brill alerta que em um momento em que há um declínio da imprensa no todo mundo, o vácuo está sendo preenchido pela imprensa "pink slime". Para se ter uma ideia, de 2005 a 2021, mais de 2.000 jornais encerraram suas atividades nos EUA. Ao mesmo tempo, no final de 2023 havia cerca de 1.200 veículos de imprensa rosa na atividade no país.

Diga-se o que quiser da imprensa verdadeira, mas ela produz artigos assinados, com os autores visíveis, possui endereço físico, conselhos editoriais, ombudsman e preservam a separação entre o que é propaganda e o que é jornalismo. Não por acaso é chamada de "o Quarto Estado", por sua importância para a democracia. E não por acaso também, os veículos da imprensa "pink slime" querem justamente se parecer com ela, copiar sua aparência, estilo e reputação, mas só na superfície.

Brill dá como exemplo o "Copper Courier", do Arizona, ou o "Main Street Sentinel", do Michigan. O nome faz parecer o de jornais de verdade. No entanto, ambos são operações de propaganda. Sua principal estratégia é publicar artigos que são então impulsionados agressivamente nas mídias sociais para ganhar alcance, com aparência de legitimidade. O Brasil não está imune à imprensa "pink slime". Muito ao contrário. São muitos os exemplos desse tipo de publicação entre nós. Enxergá-los pelo que eles são é fundamental.

Já sobre a revista Escândalo, ela acabou encerrando as atividades depois que as matérias de Dines —publicadas na imprensa— levaram a luz do sol para as suas práticas.


Já era – Imprensa marrom

Já é – Imprensa rosa

Já vem – Imprensa rosa turbinada por inteligência artificial

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